Pergunta incômoda

Por João Ramos, para Coletiva.net

Não, não sou daqueles que faz planos para dominar o mundo, apesar de me dedicar humildemente a tentar transformá-lo. Talvez por isso convivo mais com perguntas do que com respostas. E uma delas vem me incomodando bastante. Sejamos humildes: qual a contribuição da indústria da comunicação no contexto de todas as grandes transformações atuais no mundo? Indo um pouquinho além, qual o papel dos publicitários, jornalistas e relações-públicas frente a essa completa quebra de paradigmas que estamos vivendo atualmente?

Engenheiros genéticos anunciaram que a morte é apenas um erro técnico a ser resolvido. Cientistas da computação possibilitaram que, pela primeira vez em toda a história, a inteligência seja completamente desassociada da consciência através de robôs, AI e super computadores. Biólogos suplantaram os limites da evolução orgânica e criaram atalhos para aperfeiçoar alimentos e outros organismos vivos. Programadores viabilizaram uma das maiores revoluções da história da humanidade através dos pixels e da formação da internet.

Designers geraram realidades alternativas através do VR, tão reais como a realidade que habitamos. Hackers brincaram com os sites de governos, de grandes empresas e foram contratados para desenvolver as redes sociais que mudaram por completo a forma como nos relacionamos. Sociólogos previram a descentralização do poder em decorrência de tecnologias como energia solar e internet de todas as coisas. Economistas projetaram o crescimento da economia compartilhada e uma provável transformação na essência do capitalismo. Empreendedores transformaram teorias em práticas e lançaram serviços que se espalharam pelo mundo através de aplicativos de compartilhamento de carros, casas, ferramentas, roupas e, até mesmo, de espaços ociosos.

Todas as grandes transformações que vivemos ultimamente estão sendo lideradas por diversas áreas do conhecimento, e pouca coisa tem sido protagonizada por profissionais da indústria da comunicação. Até mesmo as grandes novidades dessa indústria não têm sido lideradas por seus agentes. Netflix não foi inventado por uma grande emissora. O Wikipedia não foi criado por jornalistas cansados do modelo centralizador de gerar conteúdo. A internet não foi concebida por uma agência de publicidade inconformada com a forma como as pessoas se comunicam. O Youtube não foi idealizado por uma importante produtora de vídeos. O Facebook não foi construído por um influente jornal que entendeu que a informação é abundante e não escassa.

Tenho uma teoria a respeito. Ao contrário dos profissionais de vários segmentos, os da comunicação não estão questionando as frágeis estruturas que ainda sustentam sua indústria. Assim como os biólogos - que entenderam que os organismos orgânicos podem ser reprogramados - publicitários, jornalistas e relações-públicas também precisam entender, esmiuçar, dividir, e reconectar de maneira original as estruturas de seus ativos. Precisam, literalmente, hackear os seus próprios modelos mentais e de negócios. Em outras palavras, não se trata mais apenas de discutir o conteúdo, e sim, de quebrar a matrix e questionar todo o framework.

Se as linhas de código que compõem os organismos vivos podem ser recodificados, se o capitalismo pode ser questionado através de novas formas de consumo, se modelos de negócios podem ser completamente subvertidos e escassez pode dar lugar à abundância, é possível que profissionais da comunicação também se reinventem e recodifiquem a sua própria indústria.

Como escrevi inicialmente, não sou daqueles que faz planos para dominar o mundo, mas me disponho a dedicar um precioso tempo para, humildemente, tentar transformá-lo. Sou relações-públicas de formação, incluo-me nesse contexto. Quem vem comigo?

João Ramos é relações-públicas e sócio-fundador do Black Sheep Project.

Comentários