Política cultural e problema de leitura na China:

Por Sérgio Capparelli Quando se discute cultura no Brasil e, mais especificamente, leitura, costuma-se lembrar que o país conta atualmente 5.560 municípios,  5 mil …

Por Sérgio Capparelli

Quando se discute cultura no Brasil e, mais especificamente, leitura , costuma-se lembrar que o país conta atualmente 5.560 municípios ,  5 mil bibliotecas registradas e 3.200 livrarias . Esses números dão apenas uma visão parcial da complexidade do problema da leitura , onde o público não tem acesso ao livro . As causas são muitas, e não vamos enumerá-las aqui , indo de uma recente ditadura que durou mais de 20 anos a uma visão histórica que busca razões no processo civilizatório brasileiro a partir dos portugueses.


Por outro lado , o analfabetismo no Brasil atinge 16% das pessoas com cinco anos ou mais , chegando a 24 milhões que não sabem ler ou escrever . Esses números do IBGE são recebidos com ceticismo . Há quem diga que o número de analfabetos diminuiria de 5 milhões , caso o levantamento fosse relacionado com pessoas de dez anos ou mais , ficando a taxa de analfabetos em torno de 11,5%.


Como resolver ou , pelo menos , diminuir esse abismo entre o público e a leitura , seja esse público o " leitor " potencial de um livro ou da linguagem audiovisual? Novamente as receitas são muitas. Muitos estudiosos dizem   que as soluções passam por uma melhor distribuição de renda ,  barateamento do livro , mais bibliotecas e mais escolas .


E como outros países em desenvolvimento estão tentando resolver esse problema ? A partir desse momento , o cenário brasileiro serve apenas de moldura para discutir as medidas tomadas pela China nesse âmbito . Porque dizer que a China tem 8,5% de analfabetos - tinha 25% em 1986 - dá uma visão muito parcial , que 110 milhões de analfabetos na China precisam ser relacionados com a população de 1,3 bilhão de pessoas .


O feito e o por fazer


A partir de 1986, a China tornou seu ensino obrigatório compulsório , de nove anos , para crianças de seis a 14 anos . O que pode parecer mais estranho é que esse ensino passou a ser compulsório obrigatório e pago . Muitas famílias de áreas rurais não tinham recursos para pagar a escola para seus filhos provocando evasão escolar e impedindo a escola universal .


Só neste ano , 2006,  depois de muitas críticas e diversos filmes e programas de televisão tratando da injustiça no campo , onde as crianças tinham de trabalhar para pagar as taxas escolares e, trabalhando, não podiam estudar ,  o ensino básico passou a ser gratuito na maior parte das áreas rurais .


A partir de agora , com o novo plano econômico para os próximos cinco anos privilegiando o campo , o governo central vai tratar com cuidado essa questão . O plano a ser aplicado em regiões do interior do país , criando  uma nova área rural socialista , foi apresentado há alguns meses, e o governo mostrou na semana passada sua receita de como levar o livro ao leitor , especialmente esse leitor de pequenos vilarejos , onde não existem bibliotecas e onde a iniciativa privada não investe em livrarias temendo prejuízos .


Esse plano é ambicioso. Ele pretende criar 200 mil livrarias-bibliotecas nas suas  vastas áreas rurais nos próximos cinco anos , ou seja, 3 mil por mês , durante cinco anos. "Cada projeto híbrido , de biblioteca e livraria ao mesmo tempo , terá pelo menos mil livros , 30   tipos de revistas e periódicos e alguns produtos audiovisuais ",  disse Liu Binjie, subdiretor da Administração Estatal de Imprensa e Publicação da China na quinta passada .


A China tinha divulgado na quarta-feira um programa nacional   sobre o desenvolvimento cultural durante o período do 11º Plano Qüinqüenal (2006-2010). Esse plano , divulgado conjuntamente pelo Escritório Geral do Comitê Central do Partido Comunista da China e o Escritório Geral  do Conselho de Estado ,  dava ao desenvolvimento cultural nas áreas   rurais a maior prioridade .


Segundo Liu, o projeto , com um investimento total de cerca de  US$ 506 milhões , vai   promover a educação e popularizar a ciência e a tecnologia no campo .


As livrarias-bibliotecas, cada um com um orçamento estimado em US$ 2.500, serão financiadas pelo governo e também receberão doações públicas. " Em 10 anos ", diz ele , "esperamos que cada povoado tenha sua própria  livraria-biblioteca". Os valores investidos em cada unidade parecem pequenos , mas deve-se lembrar que um bom livro para crianças , colorido, que no Brasil custa   40 reais , na China custa dez vezes menos .


Ao mesmo tempo , a China decidiu investir mais nos meios de comunicação no campo . Se o projeto das três mil livrarias-bibliotecas novas por mês até o ano 2011 contemplava a oferta de produtos audiovisuais , o governo prevê também melhorias no sistema de rádio e de televisão para agricultores . A iniciativa visa levar melhores sinais de televisão aos lugares mais remotos do país e uma maior variedade de transmissões de programas .


A televisão chinesa atinge 95% da população e o rádio tem aproximadamente a mesma taxa de penetração . No entanto , com uma população tão numerosa , 5% significam 60 milhões de pessoas sem acesso a esses meios .


O projeto do governo chinês teve início em áreas mais sensíveis , como as duas províncias do oeste do país , Tibet e Xinjiang. Em outras palavras , são regiões onde existe uma forte busca de autonomia , com o governo criando administrações especiais , que recebem o nome de regiões autônomas. Em um projeto nessas duas regiões , o governo central aplicou US$ 940 milhões . Uma reportagem do China Daily informou na semana passada que em 2005 o governo investiu US$ 99 milhões para ajudar a população de 86 mil povoados a assistir televisão.


O governo não diz, mas isso está claro , com a televisão e o rádio o governo central pretende integrar culturalmente essas regiões no grande mosaico que é a China. Foi o que aconteceu no Brasil, principalmente nos anos 70 e 80, em que a televisão tornou-se uma questão de segurança nacional e, pela primeira vez , o único sistema de comunicação a atingir todo o país , numa única língua , com uma mesma voz e, de certa forma , os mesmos objetivos , ou seja, integração econômica e integração política . O sistema de televisão chinês não se compara com o sistema brasileiro , dadas as características de cada país e os modelos de comunicação existentes. No entanto , atingir com a televisão e o rádio os mais remotos cantos não deixa de ser uma geopolítica de integração.


Atualmente, muitas pessoas na China têm acesso aos sinais de televisão e de rádio , mas apenas a um ou dois canais e assim mesmo chegando com baixa qualidade técnica . O projeto Cuncuntong vai tentar resolver esse problema , trazendo serviços de boa qualidade técnica para os povoados mais distantes .   Cerca de 42 milhões de pessoas , de mais de 300 mil povoados , vão ser beneficiados com esse projeto.


Rumo do futuro


Uma das diferenças entre os projetos propostos em outros países e jamais executados é que na China se anuncia o projeto quando ele foi aprovado . Significa que ele está em movimento . Que tem financiamento garantido. Atores escolhidos. Essa é uma das virtudes ou defeitos de governos muito centralizados.


Se o Escritório Geral do Comitê Central do Partido Comunista da China e o Escritório Geral   do Conselho de Estado anunciam 200 mil bibliotecas , serão de fato 200 mil . Claro , às vezes falhas , como no anúncio de que no ano passado a poluição deveria ser reduzida e as estatísticas mostraram o contrário . Mesmo nesse caso, outras providências são tomadas , como fazer entrar nos requisitos de ascensão profissional de funcionários na área de meio ambiente seus êxitos ou fracassos no combate à poluição . Diante desse controle , certamente as 200 mil bibliotecas estarão funcionando dentro de cinco anos.


Certo, a China pode fazer isso porque não sabe onde aplicar os bilhões de dólares de suas reservas e os novos bilhões de seus superávits crescentes do comércio internacional . Engano . Ela sabe muito bem o que fazer com esses bilhões . Uma parte deles será aplicada nessa integração pela leitura e pelos meios de comunicação , dentro de um projeto maior , o de   construir uma grande China, depois de um século de humilhações nas mãos das potências ocidentais.

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