Por uma programação competitiva na TV Pública

Por Flávio Dutra Há uma multidão de telespectadores lá fora, ávidos por uma programação de qualidade, que se contraponha às baixarias das grandes redes …

Por Flávio Dutra
Há uma multidão de telespectadores lá fora, ávidos por uma programação de qualidade, que se contraponha às baixarias das grandes redes comerciais de sinal aberto. É neste contexto que as tvs públicas devem atuar para capturar, ampliar e fidelizar seu público. Como fazê-lo e onde buscar recursos para a empreitada são os grandes problemas. No Brasil, de modo geral, as tvs públicas, especialmente as que nasceram com o rótulo de educativas, têm apelado para programações alternativas, quase sempre sinônimo de pobreza estética e mesmice no ar.
Rosa Crescente, com toda a sua experiência de TVE-RS e TV Cultura, e agora na Rede Brasil (TVE-RJ), conta que 10 entre 10 projetos que recebe para novos programas contemplam invariavelmente o formato "entrevistas, dicas e uma canja musical". Na TVE-RS não é muito diferente. Tenho duas gavetas entulhadas de sugestões de programas, "inéditos" segundo os proponentes, cuja estrutura prevê debates, entrevistas, agenda e "uma materinha para ilustrar". È hora de virar o jogo e transformar o alternativo não em sinônimo de pobreza, mas em parâmetro de qualidade e diferenciais a serem alcançados.
Na busca destes diferenciais, a diretoria executiva da TVE-RS, comandada por Liana Milanez, já apresentou ao Conselho Deliberativo as linhas mestras do que pretende com sua grade de programação. O objetivo primeiro é diferenciá-la na forma e nos conteúdos da TV comercial, imprimindo-lhe o ritmo da reflexão e não do mercado, sem que se torne sinônimo de chatice, mas de qualificação. Qualificação que vai se traduzir em maior repercussão, maior visibilidade, crescimento na audiência - queremos brigar pela audiência, sim - e competitividade para a conquista de novos públicos para a abertura na rede pública nacional de novos mercados às realizações locais.
Uma nova programação não se implanta da noite para o dia, senão que é resultado de muita reflexão, ajustes operacionais, reforços de pessoal e estrutura, avaliações internas e externas, testes, pilotos, pesquisa, envolvimento e comprometimento de todas as áreas. A mudança, na verdade, é permanente, a partir dos compromissos, quase um ideário, assumidos pela nova gestão da TVE:
- expressar a identidade e a diversidade cultural do Rio Grande;

- garantir pluralidade nos conteúdos jornalísticos;

- promover o intercâmbio e a integração permanente com as emissoras públicas de outros estados;

- diversificar as fontes de oferta de programação;

- buscar nichos de audiência não explorados pela TV Comercial;

- difundir valores éticos e a cultura do bem e da paz, promovendo a cidadania.

- buscar modernidade na forma e na linguagem;

- incentivar a interatividade com o público;

- ampliar a interiorização;

- abertura às parcerias e co-produções; e

- qualificação permanente do quadro de pessoal.
Na prática, a maioria destes compromissos já vem sendo cumpridos. A emissora retomou a sua produção, depois dos ajustes iniciais, e a cobertura de mais de 65 horas no Forum Social Mundial foi uma prova de vitalidade e qualificação de toda a equipe. A volta dos Concertos TVE e a transmissão dos festivais nativistas e das festas regionais já mostram a diversidade cultural preconizada. O jornalismo está de cara nova, e cada programa local vem sendo avaliado permanentemente, na busca, vale repetir, de qualificação e diferenciais. O retorno do Sem Censura, gerado todas as tardes pela Rede Brasil, foi saudado com entusiasmo pelo público e a conquista do interior está se dando, pouco a pouco, em parceria com as TVs universitárias, de forma que as comunidades se vejam e sejam vistas na TVE.
O futuro aponta para outras ações na programação, ainda em 2003. A volta da teledramaturgia, que teve um bem sucedido projeto na gestão anterior, é uma delas. O cinema gaúcho vai ganhar mais espaço, inclusive com a exibição dos longas produzidos no Estado. Igualmente, a literatura gaúcha vai ter seu espaço ampliado. Retomar a cobertura esportiva - com foco em todos os esportes e até no futebol - é outro objetivo a médio prazo. Um projeto de fôlego para a faixa infantil, envolvendo toda a rede de tvs públicas, está sendo gestado. E ainda ficamos devendo uma programação que debata e aprofunde idéias e grandes temas, porque os grandes nomes para este projeto já os temos à disposição entre os gaúchos.
Ficamos devendo também uma análise mais detalhada da questão do financiamento das emissoras públicas. A questão é complexa, está mal resolvida no momento, e precisa ser bem aprofundada. É preciso romper o círculo vicioso que engessa as emissoras públicas: só se faz uma programação competitiva com aporte pelo mercado de recursos extras, além daqueles garantidos pelo Governo; e o mercado só financia projetos competitivos, de retorno imediato. Assunto para um próximo artigo.
* Diretor de Programação da TVE do Rio Grande do Sul

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