Porto Alegre em férias

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Nada melhor do que não fazer nada. Mesmo que seja em Porto Alegre. Longe das águas cristalinas das praias …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Nada melhor do que não fazer nada. Mesmo que seja em Porto Alegre. Longe das águas cristalinas das praias catarinenses, do movimento nervoso do turismo no Nordeste, do agito das areias de Copacabana no Rio de Janeiro ou do charme incessante dos cafés em Paris. A capital gaúcha é uma opção para descansar nos meses de janeiro e fevereiro. Principalmente para o morador que não tem, por motivos diversos, como deixar a cidade nessa época. Mas o "turista acidental" de Porto Alegre espera um pouco de paz e tranqüilidade, uma vez que terá que ficar na cidade, sem congestionamentos, sem filas, sem muito tumulto.
Portanto, ninguém, gozando de plena consciência e sanidade mental, é contra a realização do Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre. Seria muito radicalismo ou ignorância. Os cofres da cidade estalam com o dinheiro dos turistas deixados em restaurantes, shoppings, cinemas e hotéis nos seis dias do FSM. O cenário da capital muda. Suas praças, parques e canteiros abrem-se hospitaleiros e alegres para receber visitantes de toda a parte do planeta, que ancoram na cidade em busca de alternativas para um mundo melhor, com mais justiça e inclusão social.
A cidade fica com um colorido inesquecível que denuncia algo diferente no ar. Fisionomias estranhas foram facilmente identificadas nos ônibus que circularam à beira da Orla do Guaíba, onde o FSM ficou concentrado esse ano. Jovens completamente à vontade tomando seus banhos nos chuveiros públicos no Acampamento da Juventude. Intelectuais com seu jeito sério e carregados de apostilhas eram encontrados nas palestras que aconteciam embaixo do calor das tendas brancas. E muita, muita gente de diversas etnias, tendências políticas, culturas variadas com as sacolas de algodão do FSM.
Tudo isso é bom porque além de significar entrada de dinheiro para a economia da cidade, representa um momento ímpar de troca de experiências, de aprendizagem de novas culturas, de colecionar novos amigos e ouvir propostas interessantes. Mas, entre nós: Cadê a paz do "turista acidental" que se vê obrigado a transitar pela cidade com esse povo vindo não sei daonde? E as filas que não existiam? E o aperto nos ônibus? E o passeio pela cidade no final de tarde que fica inviável? É o fim da tranqüilidade para aqueles que ficam em Porto Alegre durante o FSM.
Repito. Antes que minha caixa de mensagens seja inundada de e-mails criticando a minha posição. Não sou e nem poderia, por questões ideológicas, ser contra o FSM. Compreendo e valorizo a sua vital importância para a discussão de utopias, novas formas de relacionamento, alternativas de melhorar o mundo e, quem sabe, mostrar que uma nova sociedade é sim possível. Respeito e entendo a função econômica e geográfica da realização do FSM em Porto Alegre. Sobre a econômica, tudo já foi dito. E sobre a geográfica, o FSM consolidou Porto Alegre no mapa mundial como a capital que acolhe, que recebe, que se permite e é solidária.
Por favor, não me atirem pedras e nem chamem o síndico. Empresto meu total apoio à realização do FSM em Porto Alegre. Pelos inúmeros motivos citados acima e outros tantos que não caberiam neste artigo. Mas, como turista acidental, sinto-me roubada um pouco da minha tranqüilidade e serenidade. Preciso me recompor. Rever a orla do Guaíba sem aquele festival de tendas brancas, poder pegar meu ônibus serenamente, caminhar pela cidade sem o medo de me sentir uma alienígena por não portar uma sacola de algodão do FMS. E, principalmente, por dever de ofício, fazer a cobertura de um evento como o FSM sem me consumir de tanto calor e de tanto caminhar atrás dos locais das palestras.
Nos próximos dias, quando a cidade se esvazia quase que totalmente, uma vez que a população de Porto Alegre migra em peso para o litoral norte do Estado, para as praias de Santa Catarina ou para desfilar em alguma escola de samba do Rio de Janeiro (que agora não tem nada mais poderoso de chique), reassumirei meu posto de turista acidental.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, em assessoria de comunicação social e está no Correio do Povo.
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