Publicitário quem?

Por Fábio Bernardi, para Coletiva.net

Um dia já chamamos propaganda de reclame. E, um dia, olharemos para esta palavra "publicitário" do mesmo jeito que olhamos hoje para a palavra "reclame".

Eu não sei vocês, mas apesar do orgulho de fazer parte de uma das poucas indústrias brasileiras entre as top 5 do seu setor no mundo, eu me sinto um pouco apequenado nesta palavra. Porque publicitário é quem faz ou vende publicidade, e, hoje, nós somos muito mais do que isso.

Viver de publicidade ninguém vive mais. Nem as agências, nem as pessoas e nem as marcas. No máximo, todo mundo sobrevive. Porque a publicidade do "publicitário" está acabando. Simples assim.

Não é só um problema de modelo financeiro, tampouco tem a ver com uma nova geração no mercado de trabalho e menos ainda com uma onda anticonsumo. É tudo isso junto e muito mais. As Fake News, por exemplo, complicam o cenário ao atingir a credibilidade dos veículos de comunicação. Porque, sem credibilidade, eles não alcançam mais o público, perdem força de audiência e valor para a publicidade. O nacionalismo, que cresce como corrente política no mundo todo, também complica o cenário, porque torna os veículos reféns dos governos, diminuindo a importância da publicidade para financiar sua independência que já não interessa mais. O crescimento do digital afeta a publicidade, porque aumenta a relevância do conteúdo e da conversa de duas mãos, e estas precisam ser criadas e gerenciadas com outra lógica. No digital, a publicidade que parece publicidade é tão invasiva quanto no off-line. O sem-número de ações publicitárias que se disfarçam de uma coisa, enganam o público e depois revelam ser mera ação de uma marca também afetam a publicidade de fato, porque contaminam a imagem de todo o ecossistema - se não for absolutamente pertinente e interessante, soa como mera enganação, e o público rejeita não apenas a marca, mas a publicidade que valida e incentiva esse tipo de malandragem. E o "publicitário" por detrás dela.

Claro que há muitas coisas acontecendo no mundo da comunicação que estão deixando o contexto mais instigante, desafiador e rico de possibilidades. Mas quase todas estão acontecendo na fronteira com a publicidade, e não dentro dela. E é por isso que 'publicidade' e 'publicitário' são, hoje, termos que mais definem uma bolha do que uma visão de mundo. Claro que você pode dizer que todas as novas arenas da comunicação, quando usadas para vender um serviço, um produto ou uma ideia, são publicidade. Pode ser. Mas, certamente, é um viés que tende a encapsular o que não tem mais fronteiras definidas. E torna 'publicitário' uma definição menor, diante dos desafios, oportunidades, skills e conexões que a atividade hoje apresenta e exige. Porque se é óbvio que o mundo está mudando e que há uma enorme transformação acontecendo no negócio da comunicação, apenas falar em mudança e transformação já não basta para entendermos o momento e, muito menos, as necessidades. Se quisermos enfrentar o que vem pela frente precisamos redefinir, ressignificar e reinventar a indústria de marcas, que é a cadeia composta por agências, veículos de comunicação, anunciantes, produtores de conteúdo e demais parceiros de produção gráfica, eletrônica e digital, todos estratégicos e parte da equação de transformação de um negócio que impacta de forma significativa a sociedade e o mundo.

Para isso, antes de mais nada, é preciso redefinir o que é valor, como deve ser entregue e quanto custa nesta indústria. Em segundo lugar, precisamos ressignificar o que é ser publicitário, o que é ser uma agência, o que é ter uma boa produção fotográfica ou audiovisual. Precisamos dar outro sentido para a indústria de marcas e sua construção de valor. Marcas fortes e relevantes são imortais quando constroem vínculo emocional com as pessoas, e esta necessidade vai permanecer para sempre. E anunciantes não são bons para fazerem isso sozinhos, como comprovam todas as grandes marcas do mundo. No entanto, é preciso que se diga: agências e publicitários também já não podem mais fazer isso sozinhos.

Por isso, também precisamos reinventar os modelos de negócio, reinventar a relação com os clientes, reinventar o processo de criação e produção de conteúdo, reinventar os custos (inclusive os de mídia) e reinventar as fórmulas para atrair e reter talentos. E só faremos tudo isso se fizermos a reinvenção de nós mesmos. Como publicitários, mas, antes de tudo, como profissionais completos de comunicação.

Fábio Bernardi é publicitário e diretor da agência Morya.

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