Qingming

Por Sérgio Capparelli O Dia dos Mortos, chamado Qingming, é uma data especial na China. Sempre foi. Só que agora ficou mais especial ainda. …

Por Sérgio Capparelli

O Dia dos Mortos, chamado Qingming, é uma data especial na China. Sempre foi. Só que agora ficou mais especial ainda. O chinês vai ao cemitério sem sair de casa. Enterra os mortos onde quiser. Na sala, de preferência. Mas também no quarto. Milhões de chineses fazem isso. Ou melhor, bilhões, porque eles enterram os mortos quatro, cinco ou dez vezes, usando nomes falsos e movimentando trilhões de pés-juntos.

Como conseqüência, aumenta o comércio de flores. Milhões. Bilhões. Algumas espécies de flores nem existem no mercado. Só para se ter uma idéia, no Qingming da semana passada, 40 milhões de pessoas em Shanghai foram prestar homenagens aos mortos em um único cemitério. Isso que a cidade tem só 18 milhões de habitantes. Alguns milhões eram de fora, de cidades do interior ou do estrangeiro. Mas todos do mundo de aquém, o que é muito importante nos dias de hoje.


Sim, disseram os jornais, foi feita a limpeza nas sepulturas dos mortos. Alguns deles foram inclusive jogados na lixeira. Eram mortos indesejados. Ou repetidos. Nada pior do que ter morto repetido em casa. Outros morreram por engano. Pode ser que o coveiro estivesse com raiva ou distraído. Ou eram pesados demais, fotografados com muita definição. Havia mortos que não eram tão queridos assim, pois muitos inimigos surgiram em algumas covas rasas.


Como todo ano, depois do enterro, começou a administração dos mortos. Primeiro, ofereceram réplica queimada de dinheiro, como fazem em situações normais, para os mortos se divertirem. Mas apareceram outras oferendas. Réplicas de mansões, móveis de estilo ocidental, carros e celulares das principais marcas, inclusive algumas com câmara fotográfica para que possam se registrar, na falta de espelhos.As 4 mil salas de lembranças criadas pelo Serviço Funerário de Shanghai estavam lotadas. Gongdeyuan, o cemitério público de Nanjing, capital da província de Jiangsu (leste), também criou um cemitério semelhante. Eles publicaram no jornal local: "Agora você pode homenagear seus mortos 365 dias por ano".


Deve ser aborrecido visitar o cemitério 365 dias por ano. Acontece que os mortos e o cemitério, como o cinema, o teatro e apresentações musicais, tornaram-se formas de entretenimento. Ou melhor, fórmulas de se entreter livrando-se deles. Vupt, pronto, damos um chute no morto e o enviamos para a lixeira. O melhor é deixar a lixeira destapada, para que o morto não aprenda a flutuar na tela do computador.


Acontece que essa história está se constituindo numa nova oportunidade para falcatruas. Como os cemitérios são virtuais, tem muitos mortos wireless, ou seja, sem um fio que o una ao dono da conta. E os espertinhos começaram a enterrar os mortos na conta do vizinho. No Qingming, sempre havia um carro na frente de edifícios de luxo, com o computador ligado, aqui em Beijing, como se estivesse ali por acaso. Que nada! Estavam utilizando a conta de outros moradores ou de outros mortos. Alguns donos foram ver o que estava acontecendo e se depararam com centenas ou milhares de defuntos na sua sala de visitas. E desse jeito, não há Qingming que agüente!

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