Rabugices

Por Mario de Almeida* Já escrevi em Coletiva sobre um dos maiores atentados feitos contra o nosso idioma, quando “inventaram” a palavra “mídia”, aportuguesando …

Por Mario de Almeida*
Já escrevi em Coletiva sobre um dos maiores atentados feitos contra o nosso idioma, quando "inventaram" a palavra "mídia", aportuguesando a grafia da palavra "media", conforme a pronúncia inglesa. Media, em bom latim, é o plural de "meio", "caminho", uma palavra que não tinha motivo nenhum para morrer atropelada.
Minha rabugice maior é que os resultados desses estupros são massificados pelos próprios meios de comunicação e se atrelam ao idioma como se tivessem nascido nele mesmo. Como esses estupros aumentam dia a dia, a gente sente saudades dos tempos em que toda "cozinha" de jornal abrigava intelectuais do primeiro time, gente que abortava qualquer tentativa de deixar nascer vocábulos ou expressões ilegítimas, sem falar na retaguarda segura dos revisores. Drummond, Quintana, Antonio Callado, Otto Lara Resende foram alguns dos muitos jornalistas desse time.

Em tempo: nada contra a gíria, esta sim, uma criatividade popular do maior respeito.
Lembro-me até hoje do dia em que abro o jornal e leio abismado que "70 mil espectadores assistiram o Fla-Flu". Lembro-me, também, de um certo professor de Português, na primeira série do então Ginásio, explicando à galera que o verbo "assistir", quando no sentido de "estar presente", de "ver", além de não ter voz passiva, exige a preposição "a" antes, ou seja "assistir a". Assistir alguém é, por exemplo, coisa para médico, enfermeiro ou técnico.
Como a "mídia" é inventiva mesmo, inventou o "passeio ecológico", o "turismo ecológico", etc. Até essa vírgula antes do "etc." foi massificada por jornais e revistas e, depois, ratificada pela Associação Brasileira de Letras. Acontece que "etc." é a abreviatura latina de et coetera (a grafia desse "oe" colados, com o som de "e", não existe em português e coetera quer dizer "coisas"). Os acadêmicos ratificaram uma bobagem, pois agora tu colocas uma vírgula antes de "e coisas".
Passeio ou turismo ecológico, já sacramentados pela mídia, é outra bobagem, pois "ecologia" é a ciência que estuda a relação do homem com o seu meio ambiente, seu habitat (ekos - casa, em grego). Ecologia, como Química ou Física, é uma ciência. Ninguém visita um laboratório e sai dizendo que fez um passeio químico ou físico. Conhecer santuários ambientais, trilhar matas virgens pode ser um monte de coisas, menos qualquer coisa ecológica, destinada aos cientistas.
Já que estamos em ano de Jogos Olímpicos, vamos dar uma olhada para trás e ver o que a mídia internacional conseguiu fazer com a palavra Olimpíada. Acontece que os Jogos Olímpicos, nascidos na antigüidade grega na cidade de Olímpia, era um evento tão importante que Olimpíada era justamente o período de quatro anos entre os Jogos Olímpicos, ou seja, Olimpíada era o período em que não havia Jogos Olímpicos. Quando do início dos Jogos Olímpicos Modernos, em 1896, começaram a misturar jogos com não jogos?
O exemplo paralelo mais aproximado do antigo significado de Olimpíada, ou seja, a referência a um determinado período, é a Quaresma, na qual estivemos até o último domingo, e que devendo ter 40 dias, agora inchou, pois, de acordo com os famosos dicionários Aurélio e Houaiss, tem 47 dias. A Quaresma, que começa na Quarta Feira de Cinzas termina no Domingo de Ramos, em exatos 40 dias, mas os referidos dicionários preferem que termine no Domingo de Páscoa, que tem mais status, é claro.
Como esse é um assunto do Vaticano e eu ando muito assustado com as estrepolias que fazem com o idioma, comecei a rezar para que não se comece a chamar a Quaresma de Semana Santa ou vice-versa.
Leitor, ora pro nobis.
Amém.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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