Receita de leitura

Por Antônio Goulart* Dias atrás, resolvi emprestar um livro ao meu neto Guilherme (aquele que recentemente fotografou o caminhoneiro que apareceu nos jornais agarrado …

Por Antônio Goulart*
Dias atrás, resolvi emprestar um livro ao meu neto Guilherme (aquele que recentemente fotografou o caminhoneiro que apareceu nos jornais agarrado num reboque, na auto-estrada, para fugir de ladrões). Foi "O apanhador no campo de centeio", de J. D. Salinger. A leitura dessa obra me surpreendeu e fascinou há quase quarenta anos. Logo que viu o volume com uma capa surrada e remendada com adesivo, ele foi logo reclamando: "Este é um livro antigo, veja só o estado dele!"
Como a maioria dos adolescentes de hoje, Guilherme, nos seus quinze anos, não é muito chegado à leitura. Vai bem no colégio, mas ler não é muito com ele. Diz que não tem tempo, precisa treinar, seu sonho é se profissionalizar como jogador de futebol. Falei que a aparência do livro não quer dizer nada, pois se trata da primeira edição publicada no Brasil, nos anos 60, pela antiga Editora do Autor. Mas o livro vem tendo repetidas reedições, já que se tornou cult para as várias gerações que vieram depois.
Expliquei ainda que a história, contada numa linguagem coloquial, às vezes meio abusada, continua atual e tem muito a ver com ele próprio. É narrada na primeira pessoa por um jovem rebelde, mas cheio de vida e de dúvidas. E o autor é uma das personalidades literárias mais estranhas que se conhece. É visto como um homem misterioso. Está com 85 anos e vive há décadas recluso em sua propriedade cercada de altos muros, numa pequena cidade norte-americana, de onde raramente sai, não dá entrevista e nunca se deixa fotografar. É chamado de "A Greta Garbo da literatura". Como disse um de seus biógrafos, o escritor ficou famoso principalmente "por não querer ficar famoso".
Depois do primeiro contato, devorei os outros livros de Salinger que apareceram por aqui: "Franny e Zooey", "Nove Histórias", "Pra cima com a viga, moçada!" e "Seymour, uma introdução". E passei a ler também tudo o que se escreve sobre ele.
Revendo antigas anotações, encontrei este registro: "Li o livro de um só fôlego, com um encantamento à flor da pele; voltando atrás, relendo trechos, com uma vontade imensa de que as margens daquelas páginas fossem fitas magnéticas que pudessem gravar todas as minhas manifestações de entusiasmo, para depois mandá-las para o autor". Eu pensava igual ao personagem da obra, Holden Caufield, que diz: "Bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler fica querendo ser um grande amigo do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade".
Estou curioso para saber como o meu neto vai encarar "O apanhador no campo de centeio" e como irá reagir. Se é que se dispôs a lê-lo.
* Jornalista, diretor da Associação Riograndense de Imprensa (ARI)
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