Recordar é viver: o dia em que Juca Kfouri ofendeu os gaúchos

Por Emanuel Mattos Este 1º de abril de 2009 é um dia que ficará na história do Rio Grande do Sul. À noite, mais …

Por Emanuel Mattos

Este 1º de abril de 2009 é um dia que ficará na história do Rio Grande do Sul. À noite, mais uma vez a seleção brasileira pisará no Estádio Beira-Rio para disputar uma partida eliminatória à Copa do Mundo. Não poderia ter sido uma escolha mais feliz. Depois do vexame que foi a atuação do Brasil contra o Equador, no empate em 1 x 1, domingo passado, a imprensa do resto do país caiu de pau. O mais notório deles é o velho cascateiro chamado Juca Kfouri.


Ele tem um blog onde faz campanha contra a permanência de Dunga como técnico da seleção. Há dois dias, por exemplo,  publicou ali a seguinte nota:


Fora, Dunga!


Com 1.200 opiniões, 65% querem o Dunga fora, 19% expulsam o Ronaldinho da Seleção, 12% não querem mais saber de Gilberto Silva e só 3% estão por aqui com o Felipe Melo.


Escrito por Juca Kfouri às 12h46 (30/3/2009)


Como se vê, entra ano e sai ano e essa velha raposa continua demonstrando ter ódio dos gaúchos. No final dos anos 70, quando trabalhava na Editora Abril, foi transferido de uma burocrática função no Departamento de Documentação para a Revista Placar, que na época tinha uma equipe de profissionais do maior talento, entre eles José Maria de Aquino e os gaúchos João José Rath Filho, Lemyr Lauro Martins, Divino Renato Fonseca e o melhor fotógrafo esportivo que o Brasil já teve, João Batista Scalco Pereira, o imensamente grande, em todos os sentidos, e amigo do peito, JB Scalco, falecido com apenas 32 anos.



Pois a primeira coisa que Juca fez ao assumir a chefia de Placar foi demitir um dos melhores redatores do jornalismo brasileiro: o extraordinário João Rath.


Na época, aquele sujeito mesquinho alegou "incompatibilidade de gênios", como relatou há dias Zé Maria de Aquino em seu blog (leia aqui). Mas leia, principalmente, um dos comentários postados nesse post, em que Zé Maria conta como se deu a demissão de João Rath. Vou repetir aqui, na íntegra, caso alguém tenha dificuldade em encontrar o texto que registra o lamentável fato:


"No dia em que trocaram de diretor na revista, o novo, logo após tomar posse, chamou-me para sua sala, pediu para que fechasse a porta e sentasse. Feito isso, falou que ia me dizer uma coisa que eu não ia gostar. Como achei que ele estava me despedindo, disse que não devia perder tempo e que bastava o RH me chamar e fazer o que devia. Ele disse que não era para me despedir, mas para avisar que ia despedir João Rath. Perguntei se estava brincando e ele disse que não. Estava me avisando antes de qualquer outra pessoa, por saber que tínhamos grande amizade. Indaguei se estava pedindo meu conselho, coisa que sempre fazia, e ouvi que não. Disse que o Rath era um gênio, grande cara, e ele concordou. Indaguei qual a razão, então, e ouvi que era por incompatibilidade de gênios. Pedi licença e saí? João Rath foi trabalhar no O Globo e logo era responsável pela primeira página." (Por José Maria de Aquino, 25/3/2009).



Como se vê, a necessidade de auto-afirmação e a falta de caráter são duas caraterísticas notórias desse sujeito. Digo e provo. Em agosto de 2002, quando a seleção brasileira, sob o comando de Luiz Felipe Scolari venceu o Paraguai, no Beira-Rio, partida-chave, pois praticamente garantiu aquela desacreditada seleção ao Mundial de 2002, quando o Brasil conquistou o pentacampeonato, esse sujeitinho, na falta de argumento para atacar Felipão, resolveu xingar os torcedores do Rio Grande do Sul porque gritaram no estádio o famoso refrão:


- Ah, eu sou gaúcho.


Na época, pedi espaço para o site Coletiva.net , que este mês festeja dez anos de existência, e publiquei o artigo abaixo, que reproduzo na íntegra. Nele, tirei a máscara do desmiolado cronista paulista. Vale a pena reler o texto a seguir:



Tratado sobre a idiotia no jornalismo


O Planeta Terra possui 229 países, localizados em seis continentes que ocupam 150 milhões de quilômetros quadrados. Diante dessa vastidão, a queda do balão Solo Spirit, quando seu piloto, Steve Fossett (que morreu em 2007) tentava dar a volta ao mundo, em pleno solo gaúcho, reforça a minha convicção: tem coisas que só acontecem aqui no Rio Grande do Sul. 
Pois agora caiu de vereda um disco voador aqui nos Pampas, na forma de uma bizarra polêmica. A bordo Juca Kfouri, elo perdido do jornalismo esportivo, determinado a ocupar espaço na mídia, algo bem característico de sua personalidade. 
Sucede que, depois de acompanhar o esforço da guapa torcida local que empurrou a desprezada seleção brasileira para a vitória sobre o Paraguai, resultado que a encaminha à Copa de 2002, Juca decidiu virar o cocho em cima do hospitaleiro povo de nosso Estado.


Em artigo publicado no diário esportivo "Lance", com o título "Ah, eu sou brasileiro (o bairrismo e a idiotia)", Juca travestiu-se de vestal e investiu furibundo contra o singelo grito de guerra adotado pela peonada como singular brado de solidariedade cívica durante o jogo: "Ah, eu sou gaúcho". 
Na falta de melhor argumento, baixou o nível e foi profundamente ofensivo ao vomitar esse grosseiro disparate: "No fundo, no fundo, esse tipo de manifestação revela antes um certo sentimento de inferioridade do que outra coisa qualquer". 
Pronto. Estava armado o maior cu-de-boi. E os gaúchos reagiram, justamente revoltados. Zero Hora dedicou toda a página 46, do dia 25 de agosto, ao assunto. Nela, além de reproduzir na íntegra o artigo de Juca, alguns notáveis emitiram opiniões: o escritor Luís Fernando Veríssimo, o cineasta Jorge Furtado, a professora de filosofia da Ufrgs Kathrin Rosenfield e o historiador Tau Golin. 
Segundo ZH, os correios eletrônicos da Internet foram entupidos com mensagens indignadas. Entrevistado a respeito, Juca foi novamente rasteiro: "Eu acho graça, estão tomados pela emoção diante da razão". 
Quem pisa no poncho quer bochincho. Ao constatar a sua desfaçatez para compensar tamanha irracionalidade, sinto-me no dever de tornar público fatos documentados que denotam conduta profissional que não o autoriza a emitir qualquer juízo de valor. Como repórter de "Placar" em Porto Alegre e editor em São Paulo , entre 1979 e 1983, sou testemunha de graves equívocos ocorridos quando Juca era diretor de redação dessa revista. 
Desnuda-se, por exemplo, um ardoroso defensor do que ora condena. Certa feita, Juca fez publicar com estardalhaço quatro páginas exaltando a originalidade da torcida gaúcha, na semana em que o Brasil goleou a Bulgária por 3 x 0, no estádio Olímpico, em 28 de outubro de 1981. "QUEREMOS UMA SELEÇÃO SÓ DE MACHOS", era o título bem humorado. O olho do texto anunciava: "Sete artistas gaúchos antecipam os gritos de guerra dessa quarta-feira, quando a torcida mais exigente do país verá o último jogo da seleção no ano".
     Participaram de churrasco na sede da Editora Abril, onde foi feita a matéria, os cartunistas Sampaulo, Edgar Vasques e Santiago, os humoristas Carlos Nobre e Fraga, o cantor regional Edson Oto e o folclorista Paixão Cortes. Até Luís Fernando Veríssimo colaborou, criando uma história entre a seleção e o Analista de Bagé, personagem que Fraga encarnava.
      Como se vê, quem diz uma coisa e faz outra não pode ser levado a sério.



     ***


Na condição de diretor de "Placar", ele foi no mínimo leviano em outro episódio, ocorrido em 1980, ao produzir uma foto-montagem do então presidente do Inter, José Asmuz, com a camisa do Grêmio. Autor da reportagem, discordei da decisão, pois Asmuz podia ter problemas como dirigente, mas não era gremista. Apesar de contestado, Juca permitiu que o gordo fotógrafo Manoel Mota (já falecido) vestisse a camisa do Grêmio e, em lugar de seu rosto foi aplicada uma foto de Asmuz. No título, outra aberração para justificar o engodo: "ASMUZ SÓ PODE SER GREMISTA".


Como forma de protesto, pedi que meu nome não constasse nesse texto, o que foi feito. Assim agia Juca Kfouri.


Adepto do jornalismo sensacionalista, Juca atropelava a ética com a maior naturalidade, o que custou caro até mesmo ao futebol brasileiro. Em 1981, entrevistei Leão, goleiro do Grêmio, quando o técnico da seleção, Telê Santana, deixou de convocá-lo. Titular nas copas de 74 e 78, Leão mediu as palavras para não ser mal interpretado diante do momento delicado.


"Mas se alguém pensa que vou me conformar com a situação atual, está enganado. Embora esteja preocupado, pretendo disputar não apenas esta, mas também a Copa de 86" , foi o máximo que consegui arrancar dele.


Quando a edição circulou, para meu espanto a revista trazia em letras garrafais a escandalosa manchete, que reproduzo. "Leão e a Seleção: NÃO ACEITO FICAR DE FORA". O goleiro trepou num porco. Convocou a imprensa, repeliu a afirmação atribuída a ele (que não constava no texto) e desabafou: "Placar é uma revista que vi nascer e vou ver morrer porque é feita por gente mau caráter".


De fato, "Placar" parou de circular e anos depois foi reaberta, com nova equipe. Mas o estrago estava feito. Sentindo-se desafiado, Telê Santana deixou Leão, no auge da forma, fora da Copa de 82, quando o time dos sonhos integrado por Falcão, Zico, Sócrates, Júnior e Cerezo foi eliminado por falhas do notório frangueiro Valdir Peres. Tardiamente arrependido, Telê convocou Leão para a Copa de 86, já como reserva, aos 36 anos.


Em outra ocasião, entrevistei o gremista recém-contratado Carlos Kiese, um dos três grandes jogadores paraguaios daquele período. Comprado por 30 milhões de cruzeiros, uma fortuna na época, o jogador não correspondia. Sincero, abriu o coração: "Numa cotação de 10 pontos, sou jogador para 6 ou 7. Não valho 30 milhões. Aliás, o que recebi foi calculado bem abaixo disso".


"Placar", com a sensibilidade de manada de hipopótamos em intercurso, publicou fotos de Kiese acachapado e o título demolidor: "O DESGRAÇADO".


Juca também revelou-se contumaz galhofeiro quando o lendário ponteiro Valdomiro despediu-se do Inter, antes de transferir-se para o futebol colombiano. Ao tomar conhecimento do título que seria colocado na matéria, liguei para São Paulo:
      - Por que "ADEUS, MÚMIA"?
      - Porque ele é velho e cheio de faixas, respondeu Kfouri, a sumidade.


Mesmo com as páginas já na gráfica, prontas para impressão, eu e o chefe da sucursal de Porto Alegre, Luiz Cláudio Cunha, pressionamos até que o título fosse modificado. Serviço suíno, tanto que saiu "Adeus, velho" na página de abertura e "Adeus, múmia" na página seguinte.


Finalmente, a reportagem que provocou problemas mais sérios, por incúria da revista dirigida por Juca. Em 1980, Hélio Dourado presidia o Grêmio com autoritarismo. Divulgava lista de pessoas proibidas de entrar no estádio e pressionava os veículos pela demissão de jornalistas, entre outras irregularidades denunciadas sob o título: "O DITADOR DO OLÍMPICO".


Fui processado e respondi durante dois anos a queixa-crime por calúnia, injúria e difamação. Comprovei todos os fatos citados, mas o dano ficou caracterizado por culpa de dois acréscimos na edição, feitos em São Paulo , à minha revelia. Por causa do entretítulo "UMA TARA: PERSEGUIR JORNALISTAS" , Dourado requeria indenização, alegando perda da clientela que possuía como cirurgião toráxico, pela insinuação de tarado. E uma simplória legenda de foto quedou-se indefesa pela má fé: "Sorridente, ele vai afundando o Grêmio sem nenhum remorso".


No desfecho do processo, só tive a minha punibilidade extinta porque o departamento jurídico do Grêmio, formado por Raul Régis de Freitas Lima, Luís Carlos Silveira Martins, o Cacalo,  João Luís Bergman (tragicamente assassinado) e Antônio Carlos Maineri deixou de apresentar suas alegações finais e, portanto, de formular pedido de condenação.


Embora pareça roda de chimarrão, esse depoimento era necessário nas atuais circunstâncias, até porque contra fatos não há argumentos. Espero ter colaborado para elucidar essa extravagante polêmica ao desmascarar o autor do artigo, que desqualifico. O Rio Grande, por seu passado repleto de atos heróicos na defesa da pátria e em homenagem a sua gloriosa tradição, merece uma resposta à altura da afronta.


Mas como talvez Juca não dimensione a injúria cometida, nunca é demais repetir-lhe o dito corriqueiro entre os gaudérios nas lides campeiras:


"Gaúcho usa bombacha porque lhe facilita os movimentos e não para que apertem seus colhões".


            ***


Aí está, com todos os pontos e vírgulas, uma história que faço questão de recordar exatamente no primeiro dia do mês em que o portal Coletiva.net completa dez anos de existência, fato que já está sendo comemorado.


* Este artigo serve como minha homenagem aos fundadores do Coletiva.net, José Antônio Vieira da Cunha, José Luiz Fuscaldo e Luiz Fernando Moraes.


** Em tempo: não esqueçam que hoje é noite de gritar: "Ah, eu sou gaúcho".

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