Reencontro com um estranho

Por J.A.Moraes de Oliveira

O vulto de sobretudo cinza que caminhava do outro lado da rua me fez hesitar por um momento. Sabia que convivera com aquele homem, em algum lugar, em alguma cidade. Mas quem seria ele? Um antigo colega de jornal, um ocasional cliente da agência de propaganda? Havia algo de muito familiar na figura que agora falava ao celular, meio curvada, meio de lado.


O trânsito pesado me atrasou e ao alcançar o outro lado da rua, ele já se havia distanciado. Apressei o passo, lembrando então que estava em uma cidade estranha, onde as chances de encontrar um amigo dos velhos tempos de Porto Alegre eram próximas do zero. Quando cheguei mais perto, notei que o homem era envelhecido e não combinava com os traços dos amigos da juventude que revisitavam minha memória.


Hesitei, pensando: "estou fazendo besteira", mas aproximei-me, chamando-o por um nome que melhor combinava com aquele rosto. O homem voltou-se, surpreso, atendendo pelo nome, sem mostrar mostras de reconhecimento. Identifiquei-me, ficando à frente daquele personagem do passado. Em que momento e lugar do passado eu o conhecera? O homem manteve uma expressão contrariada, recuando à aproximação de minha mão estendida. Mas mostrou um breve sinal de reconhecimento, rapidamente dissimulado. Estávamos os dois, parados no meio de uma cidade estranha, com uma barreira invisível instalada entre nós. Ele continuava com o telefone ao ouvido, mas não falava, o corpo tenso, afastado do possível abraço. Não sabendo o que fazer, recuei, pedi desculpas e a figura afastou-se, cada vez mais parecida com o amigo que eu não reconhecera. Recriminando-me pela frustrada abordagem, parei em uma vitrina, olhei para os lados, mas ninguém parecia ter notado o estranho encontro. Foi quando, na esquina da rua, percebi o homem de sobretudo cinza, fitando-me à distância, com um ar frio e hostil. E logo desapareceu entre o vai-e-vem das pessoas.


Aos poucos, a certeza de ter cometido um engano foi substituída por um sentimento perturbador ao tomar consciência de que o personagem que cruzara meu caminho, se recusava a reatar laços perdidos do passado. Sentei-me em um café de calçada, tentando encaixar o personagem em algum momento de minha vida. Teria eu cultivado, sem saber, um desafeto ou inimigo rancoroso?


Aos poucos, refiz antigos episódios e cenários, povoando-os com rostos e nomes de amigos e personagens esquecidas. Mas alguns rostos e nomes se recusavam a participar da encenação. Quem sabe, aquele diretor do Theatro São Pedro que passava ingressos de estréias para a turma do teatro amador? Não, o rosto e a maneira de caminhar não combinavam. Ou aquele antigo cliente da agência que recusava com veemência todos os textos que eu apresentava? Também não. O homem que eu encontrara tinha um rosto frio e ressentido. Depois de algum tempo, desisti, retomando meu caminho.


Fiz um esforço para esquecer o episódio, mas a figura parada na esquina, com o olhar atormentado por antigas e desconhecidas mágoas, custou-me algumas horas de assombrações que demoraram a se dissipar na tarde cinzenta de outono.

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