Relatos selvagens (do nosso cotidiano)

Por Carolina Zogbi A abertura do filme "Relatos Selvagens" já garante que o trabalho é original e criativo. Junto com os créditos dos atores …

Por Carolina Zogbi
A abertura do filme "Relatos Selvagens" já garante que o trabalho é original e criativo. Junto com os créditos dos atores fotos comparam os artistas/personagens a criaturas do reino animal. E a partir daí as mais de duas horas do filme argentino (em parceria com a Espanha- El Deseo, a produtora de Pedro Almodóvar assina o conjunto da obra) passam num piscar de olhos.
Escrito e dirigido pelo jovem diretor Damián Szifron (que produz muitos seriados e também filmes que mesclam humor e crítica), "Relatos Selvagens" (Relatos Salvajes, 2014) reúne um elenco impecável, incluindo o genial Ricardo Darin, histórias fantásticas e finais surpreendentes. Em todas o ponto em comum é o momento em que nós, seres humanos racionais, deixamos de usar esta condição e passamos a agir com os nossos instintos mais bárbaros e primitivos: sem pensar, agindo com violência na busca pela vingança.
O longa bateu recorde no país dos hermanos: as salas de cinema contabilizam mais de três milhões de expectadores. Este ano em Cannes, o primeiro festival em que foi exibido, foi aplaudido acompanhado de muitas risadas. E é exatamente o que dá vontade de fazer quando a gente termina de assistir. Roteiro impecável, capaz de transformar o que existe de mais feio da sociedade em uma situação cômica. A trilha sonora também conta muitos pontos: Gustavo Santaolalla é o responsável - ele também fez as composições de Amores Brutos, Babel e Diários de Motocicleta - e consegue agradar a todos os gostos e combinar com a proposta da película desde o início.
Já está na pré-lista que disputa um lugar entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro este ano, junto com o bonitinho "Hoje eu quero voltar sozinho", de Daniel Ribeiro, representante do Brasil, e tem todas as chances de levar mais uma estatueta para a Argentina. A última premiação não faz muito tempo, foi em 2010 com o brilhante "O segredo dos seus olhos", de José Campanella.
Em algum ponto das situações o espelho do cotidiano é colocado bem na nossa frente: as injustiças, a raiva, o sentimento de impotência, a vontade de mudar o sistema errado, a inquietude de mostrar que algo não pode simplesmente ficar como está, até o momento da explosão libertadora. Cenas que se olham mais de perto, escapa uma sonora risada, ou se fecha os olhos com espanto. Mas em todas pensamos: Eu também faço isso. Fiquem calmos, todos nós temos um pouco do instinto selvagem. E é nele que nascem as piores e as melhores atitudes.
Almodóvar, que fez a produção executiva do filme, já tinha declarado em Cannes que Relatos não precisava de prêmio para ser um sucesso. Mas com certeza merece. Um roteiro que Hollywood vai amar, mas que também agrada a apreciadores de filmes críticos, densos e que deixam a gente inquieto horas depois de ter saído do cinema. Inteligência, criatividade, surpresa e identificação do público: elementos que o cinema argentino nos proporciona. Sensacional, não dá para perder!
Carolina Zogbi é jornalista e publica um blog sobre cinema no endereço www.alemdapipoca.blogspot.com.

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