Renan e as massas

Por Nilson Mello A primazia da elite ? a verdadeira elite, não o extrato mais rico da sociedade ? terminou há tempos. E isso …

Por Nilson Mello

A primazia da elite - a verdadeira elite, não o extrato mais rico da sociedade - terminou há tempos. E isso em parte explica o que temos no Congresso brasileiro hoje. O nosso Parlamento é o resultado do coletivismo populista que tomou o país de assalto. O fenômeno, na verdade, é global, mas toma contornos mais graves em países como o Brasil, onde o desnível social é agudo, e a eleição, determinada por uma legião desqualificada.


Um longo processo de depuração será necessário até que tenhamos uma democracia amadurecida, capaz de levar,majoritariamente, homens de bem às diferentes esferas de poder. Precisaremos,antes de tudo, produzir eleitores de melhor qualidade. E isso se essa democracia for capaz de se auto-aperfeiçoar. Por enquanto, mera esperança.


Instâncias do Judiciário até têm feito a sua parte, procurando moralizar o jogo político. A recente decisão do Supremo de punir com perda de mandato quem trocar de partido após a eleição vai neste sentido. São remédios paliativos, bem-vindos, que tratam o mal localizado. O organismo, porém, permanece doentio.


Nessas circunstâncias, ainda há os melhores entre os maus, mas eles pouco podem fazer. Até porque não são tão melhores assim. Ora, os melhores entre os maus até foram capazes de afastar Severino Cavalcanti. Mas falharam no caso Renan Calheiros. Faltou coragem e empenho, por razões não tão obscuras assim.


O episódio mostrou quem manda no Senado e no Congresso. O trabalho de cooptação de parlamentares, incluindo incentivos à migração para legendas da base governista, funciona. Outros mecanismos depressão, idem. Enquanto foi conveniente, o presidente do Senado permaneceu no cargo. Quando o Planalto quis, Renan caiu.


A ameaça ao projeto de prorrogação da CPMF pôs fim aos 134 dias de resistência do senador alagoano - um dantesco espetáculo de apego ao Poder e às torpezas que o cercam. Mas acabou o lento desgaste (para o senador e para o Senado), pois o governo não pode abrir mão das receitas garantidas pela contribuição financeira. Mesmo ciente de que esses valores são equivalentes aos aumentos com os gastos de custeio da máquina federal. Ou seja, se o governo não elevasse tantos os gastos, a CPMF não seria fonte imprescindível de receita. Que o contribuinte agüente essa perversidade!


Há atividades de liderança na sociedade que requerem minorias com qualificações especiais para serem desempenhadas a contento. O problema do mundo moderno, conforme analisou José Ortega Y Gasset, em "A rebelião das massas" (1937), é que as massas passaram a desempenhar este papel.A obra permanece atual e nos leva a refletir sobre os nossos líderes e o papeldo Estado no Brasil do século XXI.


O que move nossos homens públicos não são valores capazes de preservar o indivíduo e, desta forma, fortalecer indiretamente a sociedade. Os que estão lá são os representantes do "homem-massa" - termo que designa um modelo de ser e atuar que surge em todas as classes sociais, não sendo sinônimo de classe operária.


Não há perspectiva de gestos de grandeza nesse ambiente. A vulgaridade prevalece. O "homem-massa" acha que pode conseguir tudo por meio do Estado, sem esforço. Engendrou a estatização da vida. Agora o Estado o espolia e o consome. "O esqueleto come a carne que o rodeia", nas palavras de Ortega Y Gasset. E o maior engano do homem moderno é supor ser o próprio Estado.


Mas, neste particular, não há mais alternativas. O Estado é fato consumado. A tarefa passa a ser humanizá-lo, obrigando-o a respeitar o indivíduo. Para tanto, transformemos nossos líderes. A questão é saber quanto tempo dispomos para realizar a tarefa.

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