Rivaldo e a imprensa

Por Márcio Fernandes Depois que inventaram o termo “glocalização” ficou muito mais fácil a vida de repórteres e cronistas esportivos. Por esta palavra incomum, …

Por Márcio Fernandes
Depois que inventaram o termo "glocalização" ficou muito mais fácil a vida de repórteres e cronistas esportivos. Por esta palavra incomum, entenda-se que, em jornalismo, seja a habilidade de escrever de uma maneira que interesse aos leitores da aldeia local e aos espectadores de qualquer parte do país, ou do mundo, dependendo do assunto, já que estamos na época da digitalização.
Pois a imprensa brasileira, precisamente a catarinense, perdeu uma ótima chance de praticar glocalização e informar bem aos seus leitores, telespectadores e ouvintes. No final de julho, o pentacampeão Rivaldo passou por Florianópolis, concedeu entrevista coletiva e a imprensa barriga verde preferiu tratar o atleta como ídolo, e não como fonte. Perdeu, a imprensa catarinense, uma ótima oportunidade de abordar um assunto que estouraria na mídia mundial dias depois: a rescisão do contrato que o meia mantinha há cinco anos com o Barcelona. Rescisão é, claro, maneira de dizer, eufemismo. Rivaldo acabou demitido mesmo.
A questão-chave é: Rivaldo foi considerado, por muitos especialistas, o melhor jogador da Copa 2002. No dia seguinte, o Barcelona contratou um técnico que, sabidamente, é desafeto seu (o holandês Louis Van Gaal). Em seguida, o clube catalão contratou dois nomes para a mesma posição, Gaizska Mendieta (espanhol) e Juan Román Riquelme (argentino). O incrível é que, mesmo após tudo isso, a imprensa catarinense praticamente não abordou o assunto. Ninguém queria saber por quais motivos um dos melhores camisas 10 do planeta estava sendo desprezado por seu clube logo após ter conquistado um título importante.
Em última análise, isso é mau jornalismo. Provincianismo mesmo. Claro que a cobertura precisava ser centralizada na parceria entre a CSR (empresa da qual Rivaldo é um dos sócios) e o Figueirense, clube da Capital, assunto que motivou o deslocamento do atleta. Mas daí a esquecer o que estava acontecendo na Espanha é demais. É não praticar tudo aquilo que se aprende na faculdade e tudo aquilo que os editores, ao menos teoricamente, pregam nas redações.
Poucas horas antes da coletiva em Florianópolis, toda a imprensa esportiva européia especulava intensamente que Rivaldo estava quase no olho da rua, em direção ao Lazio (Itália), Manchester United (Inglaterra) ou Milan (Itália), entre outros menos votados. Na Capital catarinense, a imprensa local e estadual não avaliou isso como tópico relevante para questionar durante a entrevista. Ou avaliou mal, ou houve desinformação mesmo. A cobertura dos dois maiores diários de SC foi tímida. Os repórteres parecem ter acreditado em tudo que Rivaldo falou, até mesmo quando o atleta sentenciou que não visava lucro na parceria. O presidente da Federação Catarinense de Futebol, Delfim Peixoto, fez uma homenagem exacerbada ao atleta e nenhum jornalista registrou o papel ridículo do dirigente.
Desperdiçar chances de excelentes coberturas também é mau jornalismo. Nisso, a imprensa esportiva parece estar se especializando. Basta ver o tratamento dispensando ao tenista Gustavo Kuerten, que, na visão da imprensa, nunca joga mal quando perde, mas sim é atrapalhado pela torcida, pelo vento forte, por dores musculares, etc.
No caso de Rivaldo, seria mais cômodo para os repórteres e mais barato para as empresas jornalísticas terem decidido ficar nas redações, esperar pelo release do Figueirense e terem mandado apenas motoboys ao local da coletiva para pegar um punhado de autógrafos. Fica essa sugestão no ar, para a próxima coletiva do tipo "oba-hoje-vamos-conhecer-um-dos-nossos-ídolos-e-assim-poderemos-publicar-releases-ops-matérias-bem-escritas".
* Jornalista e professor universitário no Paraná.

Comentários