Sari Club

Por Rodrigo Vieira da Cunha Jungle Juice. Confesso que até hoje não entendi direito porque o drink tinha aquele nome. Era uma coisa rosada-alaranjada …

Por Rodrigo Vieira da Cunha
Jungle Juice. Confesso que até hoje não entendi direito porque o drink tinha aquele nome. Era uma coisa rosada-alaranjada com um leve gosto de fruta e um pesado cheiro de vodca. Talvez tenha sido batizado assim em homenagem a alguma fruta da Indonésia. Para brasileiros não havia grande novidade, afinal jungle é o que não falta no Brasil. Mesmo assim, era a bebida preferida da turma do Balão, um paulistano de descendência japonesa que comandava a diversão da turma dos imigrantes-brasileiros-que-trabalhavam-no-Japão-para-ficar-seis-meses-em-Bali. Márcio, Nando e até Bingin, um francês de pele negra, alto, de cabeça raspada, segurança de casa noturna em Paris, que não falava duas palavras em inglês, estavam sempre acompanhados por um Jungle Juice no Sari Club.
Até havia outras casas noturnas em Bali, como o Double Six e o Bounty, mas o Sari era o ponto de partida e também de chegada. Brasileiro tinha má fama. Talvez por causa dos primeiros surfistas que chegaram por lá, provavelmente na mesma época em que o jiu-jítsu já havia se popularizado na beira da praia no Rio, São Paulo e no sul. A fama era de que provocávamos briga e confusão. Os seguranças (ou o nome que se possa dar aos minúsculos leões-de-chácara balineses) ganhavam os brasileiros pelos pés. Os balineses desenvolveram um método próprio de identificar quem era quem antes da abordagem, fosse para conversar, fosse para vender. Nossa origem era denunciada pelas sandálias havaianas. Nosso calçado oficial em Bali fosse para pegar onda, fosse para jantar, fosse para dançar, era passaporte para os bli (o mesmo que balinês) dizerem algo do gênero: "Fala, memo!", para dizer "Fala, meu irmão" ou "Gatina gostosa", para dizer "Gatinha gostosa". Estas ou outras frases que repetiam feito macacos sempre vinham antes da oferta de alguma mercadoria (artesanato da loja do pai) ou serviço (onde comprar maconha, por exemplo). Palavras básicas de qualquer língua serviam para começar um bate-papo.
No Sari não tinha muita intimidade ou brincadeira. Os seguranças queriam mesmo era achacar dinheiro de brasileiro. Era uma espécie de taxa por "antecedentes criminais". Nossa técnica de contra-ataque era fácil. Entrávamos no Sari com a cabeça erguida (acredite, eles eram menores que a gente!) e sem olhar para o lado. Funcionava em 90% dos casos. Quando não, vinham pedir 5 000 ou 10 000 rúpias (entre 50 centavos e um dólar) para entramos. Obviamente, não pagávamos. Desconversávamos (um "Hello, my friend" ajudava). Alguma vezes, nos vendiam uma cerveja por baixo dos panos. No lugar do preço habitual de 10.000 rúpias, cobravam 5.000 rúpias. A cerveja vinha quente. A compra "ilegal" não era para economizar esta mixaria. Era para jogar o jogo dos seguranças. Se você comprasse a mercadoria dele hoje, amanhã você deixava de ser incomodado.
E como incomodavam. Ninguém podia ficar parado na beira da pista com as mãos vazias. Um deles vinha mandava você comprar alguma bebida. A turma do Balão comprava Jungle Juice. Eu comprava cerveja. E Gugo comprava água. Apesar disso, o Alemão era sempre o mais agitado da turma. Dançava reggae, rock dos anos 80 e trance, claro, como se tivesse bebido um engradado de Jungle Juice. Era sempre o primeiro a chegar no Sari. Enquanto a turma checava e-mail em um das dezenas de cibercafés de Kuta, Gugo preferia observar o movimento antes da pista abrir. Só o mano Bruno conseguia concorrer na categoria balançar o esqueleto, em algumas noites inspiradas.
Às 22h era um bom horário de chegar. A pista ainda estava devagar e podíamos tomar alguma coisa sem acotovelamentos. À meia-noite já ficava um pouco difícil de circular. A pista do Sari não era grande, tinha uma circunferência de 15 metros de diâmetro. Ao redor dela, havia algumas mesas e um bar com bancos altos. À esquerda da pista de quem entrava na danceteria estava o outro bar. Este era mais estratégico. Ficava perto da pista e da entrada, onde havia cerca de cinco mesas que davam para a rua. Nunca sentamos em uma destas, onde geralmente ficavam turistas mais perto dos 40 anos do que dos 30. Estes faziam uma turma homogênea, de pele bronzeada. Muito ao contrário dos freqüentadores da pista e das mesas mais ao fundo. A fauna era totalmente variada. Havia surfistas brasileiros (nós!), americanos, australianos e peruanos. Nos dias de mar pequeno, esta população crescia. Uma variação que não acontecia com a turma da balada. Eles estavam sempre lá, em peso. Afinal, a cor denunciava, estavam em Bali pela vida noturna. Eu ficava impressionado com a quantidade de gente branca, totalmente branca, na pista. Gente que fazia festa até o dia amanhecer (mas não no Sari, que fechava às 2h) e não pisava nas areias de Bali. Era interessante o contraste: de um lado a turma da praia, homens e mulheres com o mínimo de roupa emoldurando peles bronzeadas, e de outro os baladeiros, em geral de camisa larga para disfarçar a barriga. Em comum, a dança.
Em alguns momentos, a temperatura esquentava. Como na noite em que observamos atentos um sujeito que era nem surfista nem baladeiro, forte, com ar de modelo, ser atacado por uma morena alta, bonita, pouca roupa, com cara de perdidamente apaixonada. Podia ser só naquela noite, mas estava. Não sei dizer se eram americanos ou o quê. Com certeza não se conheciam. Ela montava no sujeito, beijava com força, apertava e falava no ouvido como se quisesse arrancá-lo dali e levá-lo para a beira da praia, a 50 metros do Sari. E o sujeito não reagia. Muito provavelmente, ela tivesse tomado um ecstasy, tamanho o fervor que a moça estava. Ela sumiu. O cara ficou. Ninguém entendeu.
Raramente ficávamos depois da meia-noite. Quando isso acontecia, bebíamos todas e só voltávamos para o Warung Indra, nossa pousada-QG, quando tínhamos certeza de que não havia nenhum outro lugar aberto para tomar a saideira. Geralmente, o Bounty, lugar do segundo escalão da Legian, rua onde ficava o Sari Club, estava. Era o preferido dos espanhóis: Axel, Paulo, Ganu e Jesus. Quando o Sari fechava, quem ainda queria dançar ou paquerar ia para o Bounty. O diferencial é que ali havia uma mistura de estrangeiros com nativos. Os espanhóis gostavam disto. No Sari, balinês não entrava, com exceção dos garçons. Sem dúvida, por essa razão, ontem, dia 12 de outubro, a casa tenha entrado de vez para a história folclórica de Bali, a "ilha dos Deuses", paraíso dos turistas e surfistas. Um atentado terrorista explodiu o Sari Club. No levantamento mais recente, havia 182 mortos e 281 feridos, levando em conta as vítimas de outra explosão, em um restaurante perto de Denpasar. Muita gente com Jungle Juice na mão.
* Jornalista
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