Sem tempo para a leitura?

Por Sylvia Debossan Moretzsohn A reforma que O Estado de S.Paulo anunciou na sexta-feira (5/4), com a condensação do noticiário, a eliminação de cadernos …

Por Sylvia Debossan Moretzsohn
A reforma que O Estado de S.Paulo anunciou na sexta-feira (5/4), com a condensação do noticiário, a eliminação de cadernos e o consequente - mas nunca referido - corte de pessoal, foi decidida, de acordo com o comunicado oficial, em nome da demanda de um público ávido por informações e análises aprofundadas mas, supostamente, sem tempo para leitura.
"Um tempo para a leitura" é, justamente, o subtítulo do suplemento "Sabático", dedicado à crítica literária, que será eliminado. Também aos sábados, pelo visto, os leitores andam muito atarefados.
Mas, se ninguém tem tempo para mais nada, por que continuar publicando jornais? E como supor que esse leitor sem tempo consiga absorver as prometidas análises em profundidade, que, pelo menos em tese, exigem um momento de suspensão no ritmo alucinante do cotidiano para provocar a necessária reflexão?
Uma falsa questão
O assombro diante da falta de tempo e da volatilidade das coisas é antigo - basta lembrar que a frase "tudo que é sólido desmancha no ar" data de 1848. No jornalismo, que a incorporou às suas rotinas e ajudou a disseminar um sentido frequentemente falseador de urgência, essa discussão foi retomada com força no início da década de 1990, quando começou a se propagar o vaticínio do fim dos jornais impressos diante da "concorrência" da internet.
É uma falsa questão, pois, em qualquer época, estabelecemos prioridades para empregar nosso tempo. O problema central é, portanto, a qualidade do que se oferece ao leitor. E ainda não se inventou fórmula diferente de se garantir qualidade sem uma equipe competente, devidamente remunerada e que tenha tempo para trabalhar.
O problema é que o Grupo Estado vem enfrentando dificuldades que, já em fins do ano passado, levaram ao fechamento do Jornal da Tarde, depois de uma radical reorientação editorial que o transformou num quase tabloide. Agora, a prometida reforma do Estadão, a iniciar-se em 22/4, fala em "nova configuração de cadernos" e em "novo processo de produção industrial e logístico" - só faltou citar os "novos desafios", presentes em todos os clichês da comunicação corporativa - e omite as demissões, que segundo o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo atingiriam entre 25 e 30 profissionais na redação.
Processo suicida
O discurso do "novo" reproduz, assim, a mesma velha história: o corte de pessoal como forma de cortar custos. Especialmente agora, quando o "mercado" aposta num profissional multimídia, capaz de apurar, fotografar, filmar, redigir, editar, assoviar e chupar cana. Como esse profissional só existe nos devaneios de certos executivos, o resultado inevitável é a queda de qualidade, que se reflete logicamente na queda progressiva de leitores.
Por analogia, o esquete intitulado, precisamente, " Corte de gastos", produzido pelos humoristas do Porta dos Fundos, sintetiza muito bem esse processo suicida.
Os homens da prancheta não costumam ser muito sensíveis às peculiaridades do negócio no qual estão metidos. Mas um jornal que admite eliminar algo que o distingue entre os concorrentes não poderá reclamar das consequências desse gesto. Não se trata de simplesmente fazer contas: impresso ou digital, um jornal de qualidade precisa apostar no "tempo para a leitura". E fazer com que ele valha a pena.

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