Só daqui a 75 anos

Por Ricardo Hoffmann* As circunstâncias da vida me levaram para bem longe de minha cidade natal. Vivo hoje em Brasília, distante cerca de 3.000 …

Por Ricardo Hoffmann*
As circunstâncias da vida me levaram para bem longe de minha cidade natal. Vivo hoje em Brasília, distante cerca de 3.000 km de Cachoeira do Sul. Pior que a distância geográfica, sem dúvida, é o infinito vazio sentimental provocado pelo involuntário afastamento. Ninguém merece afastar-se dos seus.
Por terra, são praticamente três dias de viagem daqui até aí. Pelo ar, no único vôo direto do dia, são 2h15 até Porto Alegre - e depois quase o mesmo tempo de carro. Engraçado, a ida para Cachoeira sempre parece demorar mais do que a volta - será que só eu tenho essa sensação?
Hoje, adulto e auto-exilado, compreendo melhor a nostalgia, a saudade e a dor de nossos pais e avós imigrantes, que também deixaram para trás sua terra e sua gente. Claro que a situação deles foi bem pior, pois mudaram de continente e a maioria nunca mais voltou a pôr os pés no país de origem.
O mundo mudou muitíssimo da época de nossos antepassados para cá. E mudou para melhor - apesar de todas as mazelas sociais, das crescentes injustiças, das desigualdades insolúveis, da incorrigível classe política? Enfim, apesar da ainda triste realidade, é certo concluir que evoluímos - em todos os sentidos.
Graças às inúmeras vantagens deste fantástico mundo novo, com tantos inventos e tecnologia, eu posso todos os dias passear pelo meu pago, rever velhos amigos, saber das coisas, me intrometer no debate local, protestar contra o status quo.
Enfim, basta um simples clique no mouse do meu laptop para, por meio da internet, acessar a home page do nosso valoroso Jornal do Povo. Ali, em suas páginas, não leio mais o seu Paulo, nem o Índio Velho, o seu João, a dona Nenê, o Saul ou o Oscar. Mas vejo, como motivo de orgulho, a terceira geração dos Vieira da Cunha à frente do jornal, com o mesmo talento e dedicação.
Se há 30 anos me fosse perguntado quais das grandes empresas cachoeirenses poderiam correr algum risco de desaparecer no futuro, certamente eu citaria o jornal da cidade. Bem antes que muitos dos tradicionais anunciantes, como Reinaldo Roesch, Mainieri Port, Augusto Wilhelm, Mernak, Sperb Kämpf.
Não consigo imaginar reconhecimento maior que o memorável fato de ter sobrevivido, e isso em um ambiente tão difícil e terrivelmente adverso. Nada, nada haverá de ser mais relevante em toda a história do Jornal do Povo que rodar a edição de amanhã. Dia após dia, independentemente da política e da economia.
Melhor que acessar remotamente às páginas de um jornal, é poder ler o seu jornal. Aquele que, na infância, você viu nas mãos de seus pais. Em cujas colunas, mais tarde, desfilou sua primeira namorada. Noticiou o seu primeiro campeonato de tênis. A sua primeira viagem. Enfim, o seu casamento, o nascimento do primeiro filho. E tantas outras emoções.
Aquele que, algum dia, daqui a pelo menos outros 75 anos, haverá também de publicar o inexorável anúncio fúnebre de todos nós. De nós que não somos eternos. Só espero que não esqueçam de agradecer o empenho dos médicos, a atenção diuturna das enfermeiras, o carinho de todos os funcionários do HCB que amenizaram em muito a dor da família enlutada.
Eternidade que não entrou de graça nessa história. Afinal, nunca é demais lembrar o filósofo quando disse: os homens passam, as idéias - e as instituições - ficam. Muitas e muitas gerações de cachoeirenses haverão de passar ao longo da vida e das páginas atentas e coloridas do nosso diário, o Jornal do Povo. Como um ideal, que seja eterno. A mim, ou à nossa geração, mais 75 anos já bastam. Se Deus assim quiser.
* Ricardo Hoffmann, publicitário, vive há 10 anos no Distrito Federal, como empresário na área de comunicação social.

Comentários