Spam, Python

Por Sérgio Rodrigues Spam, pouca gente não sabe disso, é a mensagem eletrônica indesejada que a todo instante bombardeia computadores como este que você …

Por Sérgio Rodrigues
Spam, pouca gente não sabe disso, é a mensagem eletrônica indesejada que a todo instante bombardeia computadores como este que você tem diante dos olhos - agora mesmo deve estar chegando um, quer apostar? De Viagra baratinho, provavelmente. Ou o já clássico "Enlarge your penis". Outro dia esbarrei num hilariante: "Agora eu tenho um big cock", gabava-se um coitado, "que nem o do meu amigo Leroy!" Também pode ser a propaganda de um escritório de advocacia. Por alguma razão escritórios de advocacia spameiam à beça, tanto que um deles passou à história com a glória duvidosa de ter inventado a ação de spamear. Spamear? Claro, spam também é verbo. E adjetivo - espameado. E por que não uma interjeição de estouro? Spam!
Tudo bem. Ou tudo mal, mas tudo bem. O que pouca gente sabe é o que quer dizer spam, de onde a palavra vem. Será uma sigla? Inútil procurar, como eu procurei, em livros como "A casa da Mãe Joana" e sucedâneos. Não tem registro. Ainda bem que o Google está aí para isso mesmo. A etimologia que emerge no quebra-cabeça do buscador é uma delícia e uma confusão, liga uma marca americana de carne de porco em lata (!) a um esquete do Monty Python (!!!). Só sendo muito geek, muito viciado em novas tecnologias, para dominar todas as referências. Mais uma prova de que a etimologia, o estudo da origem dos nomes, é assunto traiçoeiro. Se um tal emaranhado de sentidos cerca mercadoria tão recente no mercado de palavras, o que dizer de exemplares fabricados na Antigüidade?
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Um saco que se rasga de tão cheio, esse é o spam que o spam, se mantiver sua progressão atual de malignidade, promoverá em poucos anos na relação da humanidade com o e-mail. O e-mail tal qual o conhecemos pelo menos. A não ser que venha um contra-ataque genial, um salto tecnológico que por enquanto não se vislumbra no futuro dos filtros de spam, o parasita parece equipado para vencer. A dificuldade de filtrá-lo é dosar o veneno. Filtros bloqueiam junto com o lixo mensagens boas, quem sabe preciosas, que recentemente foram batizadas de ham. Por outro lado, se não se fizer nada o sistema inteiro logo será inviável. No debate à mesa dessa sinuca de bico, Bill Gates acaba de propor que o e-mail seja pago - não à Microsoft, pelo que entendi, embora no caso dele seja bom ler o contrato com lupa.
Foi este spam-coisa, abominável ameaça ao correio eletrônico, e não o spam-palavra que completou dez anos na semana passada, dia 5. Ou assim se convencionou. Sabe-se que aquele de 94 não era exatamente o primeiro e-mail não solicitado a se espalhar amplamente. Parece ter sido apenas o primeiro com escala para chocar, atrair a atenção dos antenados da rede: um escritório de advocacia de Phoenix chamado Canter e Siegel tentava vender seus serviços a imigrantes interessados num greencard. Coisa pequena, ridícula pelos padrões de hoje, restrita ao âmbito dos newsgroups da Usenet - o newsgroup, grupo de notícias, foi justamente o primeiro tipo de comunicação online que o spam asfixiou. Na ocasião foi moda discutir a (falta de) ética do spam. Só que ele, aético por natureza, seguiu impávido, e agora que virou virótico a discussão é outra. É: como a gente sai dessa?
Confesso que não faço idéia. Me darei por satisfeito se conseguir responder uma pergunta bem mais fácil: e que diabo de palavra é spam?
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Em primeiro lugar, é preciso resistir à tentação da simplicidade. Não, o termo não é formado pelas iniciais de Single Post to All Messagebases. Embora a tese seja bonitinha, simples e plausível, lamento, é falsa. Seria talvez tranqüilizador que fosse verdadeira, mas a vida real sabe ser bem mais mirabolante.
O episódio do greencard em 94 é um marco da acepção hoje dominante de spam - mail indesejado, remetido em larga escala pela rede. Não dá para dizer o mesmo de qualquer outro sentido da palavra. Surgida em 1937, ela foi pronunciada pela primeira vez como nome próprio, marca registrada de comida ruim. Foi numa pequena cidade do interior dos EUA - Austin, Minnesota - que J.C. Hormel, industrial ambicioso, lançou naquele ano uma carne de porco enlatada com tempero marcante e resolveu batizá-la num concurso entre os consumidores. Proposta vencedora: SPAM, de SPiced hAM, presunto temperado. Simples assim.
Bem menos simples é explicar como o spam migrou do reino dos alimentos para o da informação eletrônica. O marketing até hoje agressivo dos enlatados Spam cria as condições para a mudança, mas tudo indica que ela jamais teria ocorrido sem o lendário esquete do spam exibido no "Monty Python"s Flying Circus", programa que o genial grupo de comediantes britânicos teve na BBC de 1969 a 1974.
No quadro, uma garçonete (Terry Jones travestido) tenta empurrar a um casal de fregueses pratos que a cada novo item do cardápio ficam mais cheios de spam. No fim a coisa está na base do "spam spam spam spam spam com feijão e spam spam spam spam spam spam". "Mas eu não gosto de spam!", desespera-se a freguesa (Graham Chapman, também travestido). Nonsense? Não vimos nada ainda: ao fundo, um grupo de vikings entoa cantorias bárbaras a cada vez que a palavra spam é mencionada: "Spam! Spam! Maravilhoso spam!". A lógica de pesadelo mantém-se rigorosa até o fim, quando o coro dos vikings, num crescendo, afoga qualquer possibilidade de entendimento.
Quem quiser pode ver no quadro uma pequena parábola sobre propaganda e marketing.
Pois bem, o humor inteligente, ao mesmo tempo pop e recheado de referências cultas do Python sempre foi um sucesso com os malucos da comunidade informática. Isso explica que, ainda nos anos 80, a palavra spam tenha começado a circular entre eles como sinônimo de lixo virtual, informação sem valor, intrusiva, tão indesejada quanto os pratos que a garçonete tenta empurrar aos fregueses no tal esquete. Há registros suficientes do uso de spam com esse sentido em ambientes de bate-papo naquela época - o que, se ainda não era a acepção comercial e catastrófica de hoje, era um meio termo sem o qual ela não faria sentido.
Se é que faz algum, claro. Spam spam spam.
* O artigo foi publicado originalmente no site nominimo.com.br

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