Tecnologias de comunicação e competências

Por Fátima Régis Oliveira O entretenimento contemporâneo está passando por uma verdadeira revolução: bandas de rock fazem sucesso sem depender de gravadoras; produções caseiras …

Por Fátima Régis Oliveira

O entretenimento contemporâneo está passando por uma verdadeira revolução: bandas de rock fazem sucesso sem depender de gravadoras; produções caseiras de video para o YouTube deslancham a carreira de jovens cineastas; blogs revelam talentos literários; é mais fácil acompanhar séries de TV como Lost e Heroes se buscarmos informações sobre elas na Internet e no celular; a avaliação de um livro por leitores alavanca a sua venda.


Essa revolução tornou-se possível pelo modo como as tecnologias digitais modificaram os processos de gravação, produção, armazenamento e distribuição de informação e dos produtos culturais.


Ao possibilitar a transposição de todo tipo de mídia e linguagem para o formato digital, as tecnologias facilitaram as recombinações de texto, ilustrações, fotos, sons, músicas, animações, vídeos e outros conteúdos para o formato digital. Lev Manovich chama esse processo de remixabilidade: "o processo transformativo por meio do qual os meios e as informações que organizamos e compartilhamos podem ser recombinadas e construídas de modo a criar novas formas, conceitos, idéias, mashups e serviços" (tradução livre para "A transformative process in which the information and media we"ve organized and shared can be recombined and built on to create new forms, concepts, ideas, mashups and services". Manovich, 2005).


Essa possibilidade de manusear as informações, criar e recombinar conteúdos tem incentivado uma participação mais ativa dos usuários. Essa participação se revela na busca da informação desejada, no domínio das técnicas para criação de conteúdos (vídeos no Youtube, músicas, wikipedia), no aprendizado de novas linguagens e interfaces para usar celulares, ipods, smartphones e na troca e compartilhamento de todas essas idéias e conteúdos por meio das redes sociais (Orkut, Flicker), listas de discussão, comunidades virtuais.


O que interessa nessas práticas culturais é que elas parecem oferecer verdadeiros desafios cognitivos aos seus usuários. É preciso atenção e percepção aguçadas para encontrar informações escondidas (bônus ou "ovos de páscoa" em produtos como DVDs e sites de entretenimento). É preciso um bom repertório cultural para identificar as freqüentes "referências" sob forma de repetições ou paráfrases com que uma obra "cita" uma cena de filme, um trecho ou personagem literário, uma frase musical.


Os recursos de comunicação em rede e de comunicação móvel favorecem a efervescência da produção e troca de produtos e informações, incrementando o surgimento de redes sociais, comunidades virtuais, sites de relacionamento que requerem o desenvolvimento de habilidades sociais e até emocionais.


Por sua vez, as novas interfaces e equipamentos (Ipods, Palm Tops, MP3 e MP4 Players, celulares com tecnologia WAP, consoles de videogames) exigem um refinamento das habilidades visuais, táteis e sonoras (habilidades táteis finas para manuseio e digitalização em aparelhos muito pequenos; habilidades de visualização em telas minúsculas e divididas; habilidade para manusear diversos tipos de joysticks e aparelhos de controles remotos; capacidade de aprender novas interfaces e softwares; e habilidades de codificar e decodificar textos abreviados para comunicação rápida, entre outras).


Essas práticas culturais do entretenimento popular parecem demandar não apenas habilidades intelectuais, mas também ação do corpo e de formas cognitivas, irredutíveis às questões estéticas e de conteúdo segundo as quais a cultura do entretenimento foi avaliada tradicionalmente.


De acordo com as ciências cognitivas, o modo como aprendemos (processos mentais) não envolve apenas as habilidades lógicas e racionais, mas inclui todas as habilidades humanas, incluindo as sensório-motoras, perceptivas, emocionais e sociais.


Essa verdadeira revolução no entretenimento contemporâneo nos convida a revisar os estudos sobre a cultura popular. Os produtos de entretenimento de massa tradicionalmente são avaliados apenas por seu conteúdo estético e ideológico, sendo classificados como culturalmente inferiores, alienantes e de baixo padrão estético e cognitivo.


Hoje diversos pesquisadores têm defendido que as transformações nos sistemas de mídias e nas práticas de entretenimento têm estimulado cognitivamente seus usuários (Johnson, 2005; Aanderson, 2006; Jenkins, 2008). Em vez de nos rendermos a conclusões fáceis e generalizantes, parece que cabe investigar de que modo essas práticas de entretenimento podem estar estimulando o desenvolvimento de competências cognitivas e explorá-las para o beneficio da sociedade.


Referências
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa . Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2006.
BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica". In: Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
JOHNSON, Steven. Surpreendente! A televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
MANOVICH, Lev. Remixing and Remixability, 2005. Disponível em http://www.manovich.net/DOCS/Remix_modular.doc
RÉGIS, Fátima. Tecnologias de Comunicação, Entretenimento e Competências Cognitivas na Cibercultura. Porto Alegre: Revista Famecos, Vol. 37,  no. 3, 2008.

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