Tempos modernos

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Não consigo visualizar qual será o máximo da tecnologia colocada à disposição do ser humano nos próximos 20 anos. …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Não consigo visualizar qual será o máximo da tecnologia colocada à disposição do ser humano nos próximos 20 anos. É, realmente, uma incógnita. No início dos anos 40, utilizávamos aquela Olivetti precária e lenta, mas que representava a última novidade em tecnologia. Passamos por outras etapas. Até que, hoje, temos acesso a computadores de última geração, CDRom, disquete e outras parafernálias que nos enlouquecem, e a promessa da utilização do software livre, isto é independente de ser patrocinado por qualquer multinacional, rasgando nossas fronteiras econômicas.
Se o avanço da tecnologia é inegável e surpreendente, o mesmo se pode dizer do domínio que as crianças têm destes novos meios de interlocução e expressão. O que para os pais, no início, pode parecer um bicho de sete cabeças difícil de ser manuseado, para os nossos filhos faz parte do dia a dia, não tem mistério, eles dominam as novas tecnologias, linguagens, softwares e tudo o mais. "É tudo muito radical", diz, minha filha, Gabriela, de quase 10 anos.
Claro que a maior ou menor proximidade com as novas tecnologias depende muito do uso que se faz do equipamento. O meu computador é usado por mim para escrever, ler revistas e fazer pesquisas na Internet. Mas essa é a parte que me cabe no latifúndio do meu computador. A minha filha faz do meu computador seu verdadeiro instrumento de estudo, trabalho e pesquisas. A área de trabalho está entupida de pastas e subpastas sob todos os assuntos que vocês possam imaginar que ela tem de atividades no colégio, assim como aquelas consideradas extra-classe.
O mais interessante é que ela consegue fazer tudo isso sem acesso à Internet, uma vez que eu, mãe atribulada e com grande parte do tempo passado fora de casa fazendo assessoria de comunicação, não lhe permito conhecer a senha. Sempre que ela tem algo a pesquisar na Internet para o colégio ou para as atividades extra-classe, eu faço o logon. Considero uma precaução, uma vez que conhecemos tantas estórias malucas de sites com segundas intenções na Internet.
Surpreende também a pouca timidez e o interesse que eles demonstram, tanto no conhecimento destes novos equipamentos como na disposição de apresentar, pesquisar, formatar projetos novos para apresentar no colégio. Dia desses, a minha filha avisou: "Vou apresentar para as terceiras séries do colégio um trabalho de pesquisa sobre exploração do trabalho infantil". Assim, como quem diz: "Não acho mais a menor graça em comer McDonald"s".
Pasma com tal revelação, tentei saber o início da estória geradora de tal trabalho de pesquisa. Na terceira série, no ano passado, após ler um livro sobre o assunto, ela fez uma redação muito elogiada pela professora. Desde então, apaixonada pelo tema, começou a colecionar reportagens sobre o assunto. Foi quando surgiu a oportunidade de alguém da 4ª série espontaneamente falar para a série anterior sobre trabalho infantil. "Tinha tudo pronto, era só organizar as reportagens, atualizar dados, vou precisar da Internet, redigir e apresentar para os colegas", explicou Gabriela. Seu principal apoio seria um livro indicado pelo colégio, que eu já havia comprado, e que falava sobre o tema, e cada capítulo que lia, espantava e deixava a minha pequena mais irritada.
Comecei a pensar, sem revelar minha preocupação para minha filha, como ela iria apresentar tal trabalho, que recursos iria utilizar e em quantas eu teria que me virar. Acompanhei a primeira compilação dos dados, a primeira formatação do texto final e chegou a hora fatal. Precisava de um microprojetor (canhão) e seus acessórios para apresentar o trabalho em data show no computador. Ai, meu Deus. Como penei para fazê-la desistir da idéia e no máximo usar alguns cartazes (quer dizer, defendendo o avesso do avesso da tecnologia).
No final, minha argumentação foi forte e venceu a idéia de que os alunos da 3ª série (entre sete e oito anos) iriam gostar mais de cartazes, explicações e gráficos, os quais me dispus, prontamente, a ajudar a fazer. Não sei não se a apresentação com data show não seria mais interessante. Mas, juro que essa obsessão por trabalho infantil não tem nada a ver com suas atividades lá em casa. O máximo que eu deixo ela fazer é me ajudar a colocar a mesa da janta. Portanto, não é preciso chamar o Conselho Tutelar.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora e atualmente é assessora de comunicação social.
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