Tentando sair da depressão noticiosa

Por Carlos Castilho O ciclo do quanto pior melhor em matéria de noticiário na imprensa já está chegando ao ponto da saturação e o …

Por Carlos Castilho
O ciclo do quanto pior melhor em matéria de noticiário na imprensa já está chegando ao ponto da saturação e o público começa a se desiludir, cada vez mais, com a capacidade e vontade dos jornais, revistas, telejornais e páginas noticiosas na Web de sair deste ciclo vicioso de negativismo. Parece um contrassenso, mas é verdade porque a imprensa acabou intoxicada com a própria agenda.
Poderíamos exigir que ela passasse por uma descontaminação parecida com a que é feita em drogados e alcoólatras, mas não há tempo para isto porque o relógio da tecnologia está correndo contra a vontade da grande maioria dos veículos de comunicação jornalística. Então o mínimo que podemos fazer para sair da depressão noticiosa é exigir que a imprensa adote o chamado jornalismo de soluções, uma estratégia que não é nova, mas que aqui no Brasil foi posta de lado em função de interesses políticos e financeiros, ambos imediatistas das empresas de comunicação.
O jornalismo de soluções ou jornalismo propositivo é uma fórmula simples onde a busca de resultados é mais importante do que o espetáculo ou o drama da notícia. Ao cobrir uma inundação, em vez de dedicar ¾ partes da informação para destacar o número de mortos, feridos, desabrigados, o valor dos prejuízos materiais e os dramas individuais ou coletivos, a imprensa concentraria seus esforços em como minorar o sofrimento pessoal e as perdas econômicas com soluções concretas e que envolvem a colaboração entre cidadãos e poderes públicos ou empresas.
Três desafios
Além dos periódicos desastres naturais, e outros nem tão naturais, temos pela frente pelo menos três grandes problemas que poderiam ser classificados de estruturais como:
1) A recessão econômica com seus apêndices desemprego e inflação;
2) A desmoralização dos poderes instituídos gerada pela corrupção;
3) A insegurança pública provocada pela desigualdade socioeconômica e pelo descrédito crescente das instituições policiais no País.
A solução global destes três problemas é complexa e não acontecerá da noite para o dia. É uma tarefa que não está ao alcance do cidadão comum, ainda mais quando ele não recebe da imprensa os dados necessários para formar uma opinião adequada aos seus interesses e necessidades. Mas a mídia pode fornecer informações sobre como montar cooperativas populares para compras coletivas, como organizar restaurantes de baixo custo, como criar redes virtuais para comparação de preços de produtos de primeira necessidade, ou como desenvolver alternativas como transporte solidário. Existem muitas alternativas possíveis e várias delas já estão em pratica em diferentes partes do país. Em resumo, como estimular o espírito comunitário para que o esforço coletivo diminua o sofrimento individual.
Mas quando se trata de economia, 99% dos jornais e todos os telejornais preferem especular sobre o dólar, a bolsa de Tóquio, a recessão na Alemanha, ou então discutir com especialistas, supostamente independentes, sobre as novas regras do Banco Central ou a ata da reunião do Copom sobre a subida ou descida da taxa de juros. Claro que tudo isto afeta ao cidadão comum, mas a forma como estes temas são tratados só serve para consolidar a sensação de impotência e marginalização de cada um de nós, porque só os especialistas conseguem entender a complexidade do jogo financeiro.
O combate à corrupção se tornou o grande mantra da imprensa, mas ela está restrita à luta por posições políticas em governos, empresas estatais ou privadas e em instituições públicas. O cidadão comum assiste perplexo o desfile de suspeitos e a multiplicação de zeros nos montantes desviados, mas com a incômoda sensação de que está assistindo a uma encenação. A imprensa vai pulando de escândalo em escândalo em função das conveniências políticas e corporativas, sem investigar a fundo nenhum deles.
Noutros países, existem exemplos em que a imprensa envolveu o público na investigação de escândalos de corrupção nas instituições públicas, porque em geral são casos complexos onde os suspeitos e envolvidos são especialistas em usar artimanhas legais ou administrativas. Em 2009, o jornal inglês The Guardian pediu o apoio dos seus leitores para examinar 5.500 documentos contendo prestações de contas suspeitas de 646 parlamentares. Porque nenhum jornal brasileiro pensou em algo parecido?
A opção preferencial pelo medo
Em matéria de segurança pública a imprensa ignora as mais elementares preocupações com o público para dedicar-se apenas à promoção do medo coletivo e minimizar a crise generalizada nas instituições policiais e militares encarregadas do combate à delinquência organizada. Há soluções já testadas sobre como o esforço comunitário pode contribuir para a segurança pessoal e a proteção do patrimônio individual.
Não é uma solução definitiva, porque esta depende da condução de uma política de combate à desigualdade social e econômica, fora do alcance do cidadão comum. Mas há muita coisa que pode ser feita ao nível do bairro, a começar pela promoção de comunidades de segurança criadas pelos próprios moradores de ruas ou bairros. A ajuda mútua pode ser estimulada pela imprensa por meio de campanhas sistemáticas e de envolvimento direto de jornais e telejornais, por exemplo, em debates diretos entre autoridades e os cidadãos. Isto já foi feito nos Estados Unidos.
Atualmente existem os chamados conselhos comunitários de segurança onde a polícia tem o virtual controle das ações e com está impregnada pela ideologia do medo ou pela burocratização das ações, acaba criando um clima de imobilização entre os moradores já angustiados e inseguros.  Mas a imprensa não informa e nem discute estes desvios, pois continua presa à dependência de fontes policiais para noticiar crimes e escândalos que rendem audiência com um mínimo de esforço jornalístico.
Não é possível detalhar todas as alternativas viáveis para um jornalismo de busca de soluções. As realidades são muito diversificadas e as experiências individuais e coletivas mais ainda. Mencionamos apenas umas poucas, para mostrar que o autismo informativo da maioria da imprensa brasileira está alimentando um negativismo imobilizante na população. Uma paralisação na qual apenas os cidadãos pagarão a maior parcela do preço final.
O artigo foi publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.

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