Trigais, Sonhos e Sombras

Por J.A.Moraes de Oliveira Parei o carro na estreita estrada de terra e desliguei o motor. Ao meu redor, vastos campos cobertos por trigais …

Por J.A.Moraes de Oliveira

Parei o carro na estreita estrada de terra e desliguei o motor. Ao meu redor, vastos campos cobertos por trigais maduros, ondulando ao vento sul. Eu saíra da rodovia em busca de informações e rodara por aquele caminho por instinto, sem saber exatamente para onde me levaria. No alto da colina despontou um trator vermelho, conduzido por um velho de barbas brancas, como que navegando em um mar de ondas douradas. Eu já havia visto aquele trator naquele mesmo lugar em algum momento do passado.


Continuei pela estrada e cheguei a uma pequena cidade vagamente familiar. Parei na rua deserta, ensombrada por grandes cinamomos. Eu estava diante de um velho casarão, mostrando sinais de decadência e da passagem do tempo. Aos poucos, começaram a aflorar lembranças de dias de verão que eu ali passara com um colega de ginásio. Naqueles mesmos campos que eu acabara de percorrer, folhávamos livros de história e nos sentíamos bravos cavaleiros lutando contra inimigos imaginários. Éramos jovens e acreditávamos que o presente duraria para sempre. Mas enquanto eu estava longe, meu amigo ficara doente e morrera. Subi lentamente os gastos degraus de pedra do casarão e bati na alta porta de carvalho.


Uma velha senhora atendeu, informando que os donos da casa estavam viajando e que ficariam ausentes por muito tempo. E ali permaneceu, sem nada dizer, na porta marcada pelo tempo, os olhos fundos de tristeza e desesperança. Sem saber o que fazer, murmurei qualquer coisa sobre a morte do amigo. Ela sacudiu lentamente a cabeça e fez um gesto vago, convidando a entrar. Mecanicamente, entrei no casarão sombrio, tentando reconhecer sinais de tempos passados. Em cima de um móvel antigo, porta-retratos mostravam rostos desconhecidos. Mas não havia nenhuma foto de meu amigo morto. Me despedi e deixei aquele lugar, com a sensação de percorrer um caminho de retorno para algum lugar da infância. Dirigi de volta até a estrada estreita. Os trigais ondulavam mais forte, as espigas sussurrando ao vento. Aos poucos, tentei reconstituir as lembranças daquele verão de outros tempos.


Era uma manhã luminosa, caminhávamos pelos campos e deparamos com uma velha cruz de pedra, enegrecida pelo tempo. Meu amigo repetia as estórias que ouvira de seu pai - naquele lugar, em outros tempos, um grupo de lanceiros atacou um piquete castelhano vindo do outro lado da fronteira. A luta durou a noite inteira, debaixo de vento e chuva e, por dias a grama permaneceu enegrecida com o sangue dos caídos.


Vagamos entre restos de velhas árvores e meu amigo apontava onde foram desenterradas pontas de lanças e estribos de prata. Sentados em uma pedra, gastamos horas olhando os campos e imaginando quem seriam aquelas pessoas que se encontraram naquele lugar desolado para matar e morrer. Não tinham rostos, seus nomes não estavam nos livros de história e ninguém sabia de onde vieram e onde estavam sepultados.


Com um estremecimento, percebi que estava caminhando sem direção pelo campo de trigo, procurando uma cruz de pedra que não estava mais lá. Me dei conta de que precisava continuar a viagem interrompida, mas me sentia preso às lembranças do passado. No entanto, todas as pessoas daquele tempo que eu mesmo invocara, foram embora ou estavam mortas. Os vestígios que procurava haviam desaparecido e eu não tinha certeza de que as coisas haviam acontecido do jeito que me lembrava.


Entrei no carro e segui pela pequena estrada, levando comigo por algum  tempo, as imagens daquele lugar assombrado. No retrovisor do carro, o velho trator vermelho apontou por um momento no horizonte e logo desapareceu na curva do campo.

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