Último capítulo

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* O ano de 2005 vai começar diferente. De forma mais atrativa e radical. Vou quebrar com os rituais passados …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
O ano de 2005 vai começar diferente. De forma mais atrativa e radical. Vou quebrar com os rituais passados de geração para geração, que representam fartura, prosperidade, saúde, paz, dinheiro, amor e o resto a gente corre atrás. Afinal, estamos falando apenas de novos 365 dias que se iniciam e terminam da mesma maneira. Invariavelmente. E não basta os dias serem novos se as pessoas não se permitem a renovação, se permanece o cheiro do ranço, do mofo, do mal resolvido, do insucesso e da imprudência.
Quero deixar as tradições embaixo do tapete, do lado de fora do apartamento. Em qualquer canto, sem encanto e sem pranto. Ao contrário de outras passagens de ano, 2005 vai nos seduzir pelo simples fato de ser mais um período para as pessoas tentarem ser felizes. E existe algo melhor e mais animador do que a eterna busca da felicidade? Essa é a vida. O jogo é assim. Sem promessas, sem planos, sem pensar no amanhã. Apenas viver. Cada um a sua maneira e dentro de suas possibilidades. Aceitar isso já é ser um bom jogador.
Sem listas dos fatos marcantes, dos melhores momentos, das fotos mais fantásticas e dos amores mais intensos ou dos casos mais impossíveis. Estas relações ficam muito melhores nas edições conjuntas de jornais de Natal e Ano Novo. Ou nas retrospectivas de televisões. Não encontram espaço na nossa vida. Não cabem mais no nosso cotidiano. E, vamos ser honestos, listas nunca funcionam na vida real.
Ninguém precisa mais comer 12 gomos de uva dedo de dama (para ter sorte nos 12 meses do ano), nem tomar uma taça de champanhe e jogar o resto por trás do corpo, nem comer um potinho de lentilha (dizem que traz muito dinheiro no bolso), nem pular de costas da cadeira, vestir calcinha nova, usar a cor do orixá que regerá o ano. Muito menos pisar o primeiro momento de 2005 com o pé direito. Tá bem, você também está liberado de assistir o Faustão de Final de Ano, mas não escapa da música "que tudo se realize, no ano que vai nascer".
Já estou amadurecida o suficiente para não acreditar em simpatias e outras brincadeirinhas. Aprendi que cada um nasce com o seu destino traçado. E como já disse o sábio Adoniran Barbosa na música "Saudosa Maloca": Deus dá o frio conforme o cobertor. Então, não sendo pelo lado folclórico das simpatias, que sempre divertem as famílias na noite de 31 de dezembro, não creio que elas possam interferir no que já está escrito nas estrelas. Até poderei participar de alguma simpatia só para não ser desmancha prazer. Mas sem colocar muita fé nos pedidos.
Em outras viradas de ano já fiz tudo que me era ensinado. O que não impediu que as coisas ruins que tinham que ocorrer, acontecessem. Se tive que brigar com alguém que não devia, briguei. Se tive que perder algum emprego que julgava merecer, simpatia nenhuma refez o ato. Se tive que ser ríspida com quem só me dava afeto, não me contive. Se fui estúpida com algum familiar bruscamente, já o tinha sido. Se fui cruel, injusta, sem ligar para as desigualdades sociais, já estava feito, sem recomeço. Assim já perdi amores, amigos, momentos importantes, familiares insubstituíveis como o meu irmão e grande amigo e tantos outros desmazelos sem volta. Não se enganem, quando tive que ser malévola, exerci meu papel com maestria.
Mas, como sou persistente e acho que no meu livro do destino ainda estão escritos bons capítulos para a minha vida, vou fazer uma lista. Prometo solenemente tentar sorrir mais, concluir melhor o meu trabalho, rever mais os amigos nas mesas de bares, ser mais dócil com minha família - porto seguro onde encontro sempre abrigo - principalmente, com minha mãe e minha filha. E, especialmente, viver intensamente cada momento, como se fosse o último capítulo do livro do meu destino.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, e atualmente está em assessoria de comunicação.
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