Um Eco aberto

Por Braulio Tavares  O recentemente falecido autor de O Nome da Rosa tem sido saudado na imprensa como um "Homem Renascentista", igualmente capaz e talentoso …

Por Braulio Tavares 
O recentemente falecido autor de O Nome da Rosa tem sido saudado na imprensa como um "Homem Renascentista", igualmente capaz e talentoso em numerosas atividades complexas, daquelas que em muitos casos basta apenas uma para ocupar pelo resto da vida um intelecto robusto. Eu diria que Umberto Eco pertenceu a um tipo de intelectual contemporâneo que herdou o humanismo iluminista moderno mas sempre soube manter um olho atento para atividades ou temas considerados menores. Não é todo "Renaissance Man" que escreve sobre programas de TV, sobre orixás ou sobre torcidas de futebol. Os livros técnicos de Eco são opacos para mim (tentei ler 200 vezes A Estrutura Ausente) mas nos seus escritos para o leitor comum (como eu) ele é uma perfeita ilustração da máxima de Isaac Asimov, de que quem pensa com clareza consegue escrever com clareza.
Eco, daqui de onde o leio e observo, é um desses intelectuais de ampla erudição que não perderam o senso de humor, o interesse pelas coisas pequenas ou banais, a vocação lúdica, a capacidade fabulatória. São capazes de rir com as banalidades do cotidiano; mas não é o riso "blasé" e cínico de tantos pseudo-intelectuais de hoje, que se acham superiores ao seu próprio país ou mesmo ao mundo inteiro. Para os intelectuais, o mundo é uma fonte de diversão, de indignação, de prazer, de medo, de mistério. Vejo muito do seu espírito em Raymond Queneau, diretor editorial da coleção "Pléiade", romancista ( Zazie no Metrô), poeta, letrista de MPF (música popular francesa), matemático amador, ex-surrealista, amante dos trocadilhos e dos jogos verbais. Vejo-o em Julio Cortázar, capaz de construir pirâmides como O Jogo da Amarelinha e ao mesmo tempo de criar seus "almanaques" de microtextos e as divertidas Histórias de Cronópios e de Famas.
Outro que corre na mesma raia é Ítalo Calvino, leitor de vasta cultura, compilador de folclore ( Fábulas Italianas), autor de romances metalinguísticos ou fantásticos, ensaísta literário capaz de reunir no mesmo texto profundidade de visão e clareza cristalina de exposição ( Seis Propostas Para o  Próximo Milênio).  Ou então o também semiólogo Roland Barthes, cuja obra conheço menos, mas que influenciou o começo da carreira semiológica de Eco, com suas Mitologias. Barthes é dono de um humor mais contido e mais austero, mas sua percepção emotiva dos conflitos humanos, expressa com riqueza de filigranas mentais em Fragmentos do Discurso Amoroso, mostra (como Eco) que o verdadeiro intelectual é capaz de enxergar o que todo mundo viu e não percebeu, e ao dizê-lo pela primeira vez fazer aquilo parecer uma verdade eterna.
Braulio Tavares é escritor e jornalista. Tem o blog mundofantasmo.blogspot.com.

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