Vamos dar uma espiadinha?

Por Betty Wainstock "Queria ser uma mosca para saber o que ele fez, o que ele disse, o que ele pensa". Quantas e quantas …

Por Betty Wainstock

"Queria ser uma mosca para saber o que ele fez, o que ele disse, o que ele pensa". Quantas e quantas vezes já não desejamos alguma vez nos aproximar do outro de forma incógnita para decifrar a intimidade que nem sempre temos acesso? Com a revolução das mídias digitais e o fenômeno da web 2.0, mergulhar no cérebro, na alma e nos sentimentos de pessoas totalmente desconhecidas a nós se tornou um sonho factível.


Nos últimos vinte anos trabalhando com pesquisa de mercado, comunicação e marketing, temos nos dedicado a estudar profundamente o consumidor: quem ele é, o que pensa, o que deseja para o futuro, do que tem medo, o que rejeita, o que aspira, que hábitos possui, como interage com as marcas, as razões de sua preferência por um determinado produto, a imagem que tem das empresas, etc. Mas foi somente nos últimos anos que começamos a utilizar, de forma complementar às metodologias tradicionais, uma nova técnica extremamente eficiente que nos permitiu "dar uma espiadinha" estratégica no perfil psicográfico dos nossos consumidores.


Esta técnica é tão eficiente que de uma forma - nada invasiva - permite ao pesquisador compartilhar da intimidade do público que pretende estudar. Trata-se do estudo do consumidor na internet, com duas formas distintas de abordagem: a netnografia e a etnografia digital. A netnografia observa os internautas como se os mesmos estivessem participando de um grande jogo "Big Brother", onde os pesquisadores são os telespectadores, com acesso "à casa" 24 horas por dia. A diferença em relação ao Big Brother é que não existem ganhadores ou eliminados, é um espaço de manifestações completamente livre, sem regras de nenhum tipo. Cada um se manifesta como quiser, quando quiser, onde quiser, com a linguagem que quiser.


Pode-se falar palavrões, gírias, criar novas abreviações para a língua portuguesa e postar vídeos e fotos dos mais variados tipos, nos mais variados espaços: blogs, fotologs ou sites de relacionamento na internet. Através destes registros espontâneos, as pessoas vão deixando seus pensamentos, suas pegadas, seus rastros, seus sentimentos, suas diversas visões de vida, enquanto revelam, sem pudores, suas múltiplas facetas de personalidade. E é a partir da cuidadosa análise dos discursos encontrados nos diversos depoimentos postados que nós pesquisadores adquirimos "de bandeja" uma verdadeira mina de ouro: muito mais informação sobre o target que desejamos estudar.


Já a etnografia digital complementa a netnografia na medida em que nos permite interagir com os internautas, postando comentários ou perguntas a respeito do tema que deseja estudar, de forma "blind" ou aberta, por e-mail, MSN ou na própria página virtual onde suas mensagens foram originalmente postadas. Mas o grande pulo do gato do pesquisador e comunicador de hoje surge com a compreensão de que o que somos hoje já não significa o que seremos daqui a um minuto.  Ou seja, o homem pós-contemporâneo, é híbrido e se reveste de tantas roupagens simultâneas que deixa ao pesquisador o desafio de interpretar quem é este camaleão mutante.


A netnografia e a etnografia digital também nos permitem descobrir que a internet é uma tecnologia que favorece a disseminação de modelos, de padrões e de discursos e que internautas ativos, formadores de opinião no meio digital, facilmente influenciam comportamentos e pontos de vista de seus leitores e futuros reprodutores de informação, numa velocidade de reprodução de mensagens que não tem limites.


O peso da credibilidade das mensagens é intensificado quando os consumidores postam na web depoimentos relatando experiências negativas com as marcas.  Como é o caso do incidente ocorrido com o cadeado Kryptonite que enfrentou sérios problemas quando um menino demonstrou em um vídeo caseiro que ele mesmo produziu no You Tube como conseguia abrir o cadeado em poucos segundos com a tampa de uma caneta BIC.


No site de relacionamentos Orkut existem inúmeras comunidades que manifestam a paixão ou o ódio pelas marcas. Um exemplo nítido são as comunidades com o título "Eu Odeio Coca-Cola" ou "Eu Amo Coca-Cola". Enfim, cada consumidor tem hoje em suas mãos o poder de agir como um veículo de construção ou destruição de marcas.  Identificar na Internet quem são os ídolos e os inimigos das marcas e quem tem o poder de influenciar grupos de amigos e leitores virtuais é um dos objetivos da netnografia, ferramenta fundamental para o planejamento de comunicação.


Quanto mais rápido as marcas perceberem o quanto elas se conectam aos indivíduos através dos benefícios emocionais que prometem, melhor conseguirão preencher os vazios emocionais de seus consumidores. No entanto, muitas marcas ainda encontram-se em estágio embrionário nos preparativos para viver esta nova era e não percebem que se utilizam de estratégias de comunicação ultrapassadas que, se por um lado sempre funcionaram bem "offline", por outro lado, não geram qualquer impacto no ambiente virtual. É o caso dos "virais" produzidos sem qualquer tipo de planejamento ou dos sites e blogs sem qualquer intenção de estabelecer uma interação para gerar encantamento e sedução. Por isso, quem trabalha com criação vem procurando se aperfeiçoar e se reinventar através de treinamentos especializados porque fórmulas do passado não podem responder às inovações do futuro.


Há muito dever de casa pela frente. Quais tarefas cumpriremos a partir dos e-mails que são documentados? Dos posts analisados? Dos blogs e vídeos criados a cada segundo por milhões de seres com trilhões de necessidades e opiniões? O que devemos estudar para continuarmos in? Vamos dar uma espiadinha já! Porque muita coisa acontece nesta casa do Big Brother que hoje já reúne 42 milhões de internautas brasileiros.
 
*Betty Wainstock é doutoranda em Psicologia pela PUC-Rio na área de tecnologias, comunicação e subjetividade e psicóloga pela UFRJ,  e professora do curso de graduação e pós-graduação em Comunicação & Marketing da ESPM SP. O artigo foi publicado originalmente no site www.mundodomarketing.com.br

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