Vingança

Por Mario de Almeida Conheci, pessoalmente, o compositor Lupicinio Rodrigues, autor de "Vingança", pois eu "arrumei" suas memórias, publicadas em capítulos na "Última Hora" …

Por Mario de Almeida
Conheci, pessoalmente, o compositor Lupicinio Rodrigues, autor de "Vingança", pois eu "arrumei" suas memórias, publicadas em capítulos na "Última Hora" gaúcha. Lupicinio escrevia a mão, com lápis e em papel de embrulhar pão, sempre um pouco engordurado. Eu me limitava a corrigir algumas palavras e frases, pois ele escrevia bem.
No golpe de 1964, os manuscritos do velho Lupi estavam na minha gaveta na redação. Naquela madrugada de 1º para 2 de abril, quando Jango resolveu ir para o Uruguai eu, como chefe de reportagem, fora escalado para o plantão, pois naqueles dias nebulosos havia sempre um executivo na redação. Cobri a chegada de Jango a Porto Alegre, em torno da meia-noite, fiquei tomando chuvisco na porta da casa do comandante do 3º Exército, general Ladário Telles, na Cristóvão Colombo, onde se reuniam, também, outros generais, mais Brizola, então deputado federal, e o prefeito Sereno Chaise.
Reunião encerrada e decidida a não resistência ao golpe, fiz a matéria, publiquei na minha coluna Sem Censura a carta testamento com a foto de Vargas e fugi, conduzido por Nestor Fedrizzi. Nunca resgatei aqueles manuscitos do autor de "Vingança". Mas não é essa "Vingança" que quero comentar. Vou me referir ao célebre poema de Drummond, "No Meio do Caminho", que, publicado em 1928, na "Revista da Antropofagia", de São Paulo, despertou a ira e o deboche da grande maioria dos "donos" da opinião literária daqueles tempos.
Apesar da Semana Moderna de 22 e do "moderno" na Europa já ser um "pré-antigo", o Brasil ainda era, nas artes, em 1928, um país século XIX. O que era atual no mundo, aqui era vanguarda, e o que era antigo, aqui era atual. E Drummond foi, com aquele poema, vítima do escárnio, da desinformação e do preconceito estético. O poeta, acreditando ser a vingança um prato que se come frio, publicou, em 1967, um livrinho que é uma verdadeira jóia: "Uma Pedra no Meio do Caminho, Biografia de um Livro". E lá, então, o já considerado gênio da poesia, entregou, um a um, com nome, sobrenome, data e lugar da publicação, todos os seus algozes e infelizes gozadores. E, por ser justo, os que não embarcaram na onda e aplaudiram o poeta que surgia, ainda que em minoria, também estão lá. O poeta sabia se vingar?
De minha parte, ainda que haja conhecido pessoalmente o poeta da rua Conselheiro Lafaiete, nunca tive coragem de lhe perguntar se "aquela pedra no meio do caminho" havia sido a sogra, a Faculdade de Farmácia onde ele se formou, ou o diretor do "Diário de Minas" onde ele dirigia a redação. E se alguma vez ele disse para alguém, afinal, que pedra era aquela, é segredo bem guardado. Vejamos se vocês descobrem:
NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
Certa vez, relendo e meditando sobre o poema, escaparam-me as seguintes palavras:
ESQUECIMENTO?

Nunca me esquecerei do poeta,

daquele que nunca se esqueceu

que no meio do caminho

tinha uma pedra.

Ele me fez perguntar

se nas florestas, montanhas, serras,

se nas pedreiras que atravessei,

havia um caminho.

Se havia, esqueci.
* Jornalista
( [email protected])

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