O Publicitário do Ano

Juan Solido de Almendariz Silva era publicitário com muito orgulho, como fazia questão de dizer. Na sua carteira de identidade estava escrito que nascera em Jaguarão em 1940, de mãe brasileira e pai uruguaio. Seus detratores diziam, porém, que ele nascera mesmo em Treinta y Tres, no Uruguai e se apresentava como brasileiro porque via mais chances de crescimento econômico no Brasil do que no vizinho país.

Embora não confessasse isso para ninguém, o sonho de Juan Solido de Almendariz Silva era ser escolhido o Publicitário do Ano.

Mas, entrava ano, saía ano e seu nome nunca era lembrado. Diretores de Criação, Mídia, Atendimento, presidente de agência e até dono de veículo já tinham ganhado o prêmio e Juan Solido, nada.

Naquele ano, porém, ele decidiu que seria o vencedor, custasse o que custasse.

Para isso, preparou um portfólio com todas suas realizações, como presidente da associação de dirigentes de agências de propaganda que ele mesmo havia criado e que era visto por todos seus colegas como apenas uma forma de Juan Solido se promover.

Mandou imprimir 50 cópias do material em papel de alta qualidade e o distribuiu entre os integrantes do Colégio Eleitoral que escolheria o Publicitário do Ano.

Na primeira página, depois de uma foto colorida de Juan Solido recebendo o diploma de publicitário na formatura de uma faculdade da fronteira Oeste, vinha seu currículo, incluindo desde a presidência do sindicato da classe até o cargo de síndico do seu prédio residencial na Bela Vista. Na última página, ele aparecia no meio de um grupo de engravatados, sendo recebido por um ministro do governo, em Brasília.

Além do portfólio, Juan Solido iniciou um corpo-a-corpo diário com todos os eleitores. Na manhã da eleição, ele tinha como certos 38, entre os 50 votos previstos.

O vencedor seria escolhido durante um almoço na Associação Comercial.

Juan Solido não saiu de casa nesse dia. Ficou esperando pela chegada da comissão, que pelas regras do concurso, comunicava pessoalmente a decisão ao eleito.

Segundo seus cálculos, por volta das 15h, a comissão estaria batendo à sua porta. Às 15h30 ele começou a se preocupar. Certamente os eleitores estariam tomando mais um cafezinho, bebendo um licor. Daqui a pouco esse pessoal  estaria chegando, dizia para si mesmo, tentando se acalmar.

Ás 16h não aguentou mais e ligou para o mais fiel dos seus eleitores, o Orlando, um diretor de Arte que havia recebido dele o primeiro emprego e que ele considerava voto certo.

O Orlando, porém, não estava no escritório, nem em casa.

Meia hora depois, já em pânico, Juan Solido ligou para a Associação, identificando-se como repórter do Jornal do Comércio. A telefonista, a Elusa, lhe deu, ela mesma, a informação: a comissão estava se dirigindo a Master a fim de informar ao seu diretor, o doutor Mafra, que ele fora escolhido o Publicitário do Ano.

No minuto seguinte, Juan Solido enviou dois e-mails, um para o doutor Mafra, cumprimentando-o pela escolha e outro para a Associação dizendo que ela tinha sido muito feliz na escolha do Publicitário do Ano.

Às 18h Juan Solido, vestindo um traje azul marinho com uma gravata borboleta vermelha, presente do seu amigo Luís Augusto, assumiu a direção da sua Mercedes e rumou para o Salgado Filho. Precisamente às 21h tomou assento num voo da American Airlines para Nova York.

Um mês depois, ele encontrou na Quinta Avenida o Antônio Roberto Pintaúde, um antigo conhecido das peladas de sábado à tarde na Vila do IAPI, em férias nos Estados Unidos com a mulher e dois filhos e explicou que, quando soube que tinha sido esquecido mais uma vez, resolvera  abandonar Porto Alegre e tentar a sorte nos States.

Explicou que fizera isso sem dizer nada para ninguém, nem para seus familiares. Simplesmente usara uma passagem de cortesia que ganhara no sindicato e tomou o primeiro avião para Nova York.

Segundo Pintaúde explicou para os amigos, na primeira pelada depois das férias, no velho campo do Alim Pedro, Juan Solido pretendia se tornar famoso nos Estados Unidos e então voltar a Porto Alegre para disputar mais uma vez o título de Publicitário do Ano.

Cinco anos depois, quando quase ninguém mais lembrava dele, Juan Solido Almendariz Silva retornou a Porto Alegre para assumir a presidência da Master, que havia sido vendida para um grupo norte-americano do qual ele era CEO.

No aeroporto, onde foi recebido com festas, Juan Solido declarou à repórter Márcia Christofoli, de Coletiva.net, que havia criado em Nova York uma agência de propaganda voltada para atender clientes da comunidade espanhola e que ela crescera tanto que se internacionalizara e que ele escolhera o braço brasileiro da empresa para continuar sua carreira de publicitário, agora famoso.

Como era previsível, no mesmo ano que retornara a Porto Alegre, Juan Solido foi eleito por unanimidade - a primeira vez na história do prêmio - o Publicitário do Ano.

A entrega do prêmio foi marcada para o Salão de Ouro, mas Juan Solido, que desde a sua volta, misturava palavras em inglês, com espanhol e português, não compareceu.

Em seu lugar mandou um boy, que ele apelidou de Spike Lee, com uma gravação em que desancava todos os membros da comissão e onde o termo mais suave era "mother fuck", dirigida ao atual presidente, precisamente o antigo dono da Master, o doutor Mafra.

Enquanto no Salão de Ouro, as pessoas ficavam estupefatas com o "speech", transmitido num volume tão alto que era ouvido até nas calçadas da Avenida Borges, Juan Solido Almendariz Silva e seu amigo Antônio Roberto Pintaúde, bebiam uma caipirinha no Bar do Aldo, da Volta do Guerino, ouvindo o Paulinho Boanova, o cantor da casa, entoar aquela velha canção do Lupi: "Mas enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada. Só vingança, vingança, aos santos clamar".

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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