A intolerância me veste de medo e desassossego

Por Márcia Martins

As pessoas estão intolerantes em todos os assuntos da vida profissional e particular. Se falamos sobre futebol, ainda que amenidades, tem sempre alguém que resolve entrar na conversa e desmerecer o time adversário. Se falamos sobre saúde, mesmo que sejam apenas tópicos superficiais, tem sempre alguém que se acha no direito de dizer que tal moléstia está afetando quem puxou o papo pela falta de cuidados e falha no tratamento. Se falamos sobre atividades de lazer, como cinema e música, é certo que alguém vai dar palpites e afirmar que tal filme e/ou cantor (a) de quem estávamos comentando é de péssima qualidade e tal e tal.

De política, então, nem é bom se cogitar de falar, comentar, escrever. A intolerância, a impaciência, a falta de respeito são expostas e atrapalham qualquer tentativa de argumentação racional. Justamente agora que precisamos, sim, promover debates sobre um projeto fascista, representando pelo Jair Bolsonaro (e de novo, só citarei este nome uma vez aqui neste texto, se necessitar usarei JB, porque uma amiga minha diz que não se deve mencionar/citar e/ou promover coisas e pessoas tenebrosas), e o projeto de manutenção da nossa suada democracia, representado pelo Fernando Haddad, o cenário para as conversas mostra-se tristemente adverso.

Por conta deste clima perigoso e nebuloso para todo e qualquer assunto, porque as pessoas perderam a noção de que a divergência existe, que nem todos gostam do azul, que nem todos votam no mesmo candidato, que nem todos seguem as mesmas regras de vida, que nem todos têm a mesma opção sexual, é que está bem complicado de se viver nos dias atuais. Confesso estar com muito medo. Confesso que deito para dormir ansiosa (quando consigo pegar no sono à noite) e acordo ainda com mais ansiedade. Não me lembro de outra época em que tenha andado assim, tão desassossegada, tão nervosa, tão sem vontade de ver o que vai acontecer daqui para diante.

E este desânimo e desalento, que se acentuou com o resultado das eleições no último domingo, 7, (e aí não estou colocando nesta conta só a votação para presidente, mas, especialmente, os votos no retrocesso para senadores, deputados federais e estaduais), começou na sexta-feira, 5, com um incidente no supermercado Zaffari, da Rua Fernandes Vieira. Não tenho medo aqui de citar o estabelecimento. Mesmo neste cenário que se apresenta de perseguições, incompreensão e represálias. Enquanto aguardava o carro do aplicativo para me levar de volta ao meu lar, fui ofendida e ameaçada de apanhar por um ajudante de empacotamento. Claro, eu trazia adesivos do PT espalhados na minha roupa.

No domingo, 7, ao retornar da votação da minha seção eleitoral, também vestindo a camiseta do PT com o nome do candidato Fernando Haddad estampado, fui perseguida um trecho por dois homens com propaganda do candidato JB que me desferiram impropérios de baixo calão relacionados à minha idade e ao fato de ser mulher. Mas que tempos estamos vivendo? Mas que sociedade é esta onde predomina a intolerância, a não aceitação das divergências? Em que momento as pessoas desaprenderam as noções básicas de civilidade e respeito? Quando é que foi estabelecido que as opiniões diferentes devem ser banidas com violência, covardia e humilhação? Quando é que o fascismo, representado pelo candidato JB, foi incorporado à rotina sem que a gente percebesse?

Ando assim, intranquila. Vivo assim, cheia de pavor. Caminho assim, amedrontada. Respiro assim, ofegante. Com medo de qualquer situação e acontecimento. Desassossegada. Desconstituída. Demolida. Desanimada. Sou mulher branca. Sou solteira (por opção). Sou heterossexual. Sou mãe de uma mulher que luta pelos seus direitos. Sou jornalista. Sou sindicalista. Sou militante de movimentos sociais. Sou feminista. Sou filiada a partido de esquerda. E tenho medo de sair de casa.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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