Ao cãozinho tão cruelmente assassinado no Carrefour de Osasco

Por Márcia Martins

Nesta minha vida que já soma mais de meio século, tive vários animais de estimação. Desde os cachorros de todas as raças, mas com um predomínio da espécie vira-latas, até os passarinhos, gatos, tartarugas, peixes e patos. Sempre desenvolvi um afeto enorme por todos eles e uma vez que havia me comprometido com a criação dos bichos, nunca poupei esforços e finanças no cuidado dos animais. Mas preciso admitir, sem medo de errar, que a minha paixão é pelos cães. Simplesmente sou uma adoradora descontrolada dos cuscos. Considero encantador o jeito que eles dobram as patas. Gosto de vê-los dormindo. Admiro a fidelidade deles. Sou totalmente aficionada pelo carinho que eles demonstram pelos humanos.

Talvez por isto eu tenha tido 10 cachorros (cinco na casa onde morei com a família na Rua Doutor Mário Totta, um no apartamento da Rua Fernando Machado e quatro aqui no atual endereço). Por conviver 10 anos com o Dalai, o shih tzu mais amado e querido que existiu, sabia exatamente o que ele estava aprontando, o que ele sentia pelo modo que as suas patinhas ficavam alinhadas, o que ele precisava pelo tom do seu latido e o que ele pedia de carinho com o seu fuço encostado no meu pescoço no final das noites. Quando Dalai morreu, em novembro do ano passado, experimentei um período de luto demorado e doloroso. Disse que não queria mais cachorros e chorei de saudades dias e noites a fio (ainda choro).

Mas, numa manhã de domingo do início de fevereiro, ao caminhar pela Redenção com a minha filha, fui fuzilada pelo olhar meigo e pedinte de um filhote vira-latas de pelagem em tons misturados de preto, marrom e bege. Com a garantia de que ele seria um cão de porte médio, o que se mostrou uma mentira com o passar do tempo, adotamos o Quincas Fernando Martins, que hoje é o senhor absoluto da casa desta que vos escreve e de sua filha, Gabriela. De temperamento bem diferente do Dalai, Quincas transformou a minha rotina e trouxe alegria e faceirice para os meus dias. Rasgou alguns livros, roeu uns pés de móveis, arranhou meus braços, mordeu minhas canelas e me acordou várias noites ao latir para qualquer sinal de barulho no corredor.

Sim, é ruim ter que fazer revezamento de viagem com a filha para que o Quincas não fique sozinho e evitar gastos com hospedagem na pet. Sim, é desagradável explicar para as visitas que raramente frequentam o meu apartamento que o Quincas é o morador e deve ser respeitado. Sim, é chato ter que limpar as necessidades do cachorro, embora ele tenha, em pouco tempo, aprendido a usar o seu banheirinho. E é desagradável sair na rua com os pelos do cão se desprendendo e conferindo um certo aspecto de desleixo. E é insuportável tentar tirar um cochilo confortante depois do almoço nos finais de semana e ser despertada pelas enormes patas do Quincas que não calcula direito o seu tamanho ou pelos seus latidos estridentes.

Ocorre que uma casa sem cachorro é um lar triste, sem brilho, sem surpresas e monótono. Acontece que uma rotina sem a companhia de um cão é um cotidiano de tédio, enfado, aborrecido e cansativo. Assim como o coração daqueles que não gostam dos peludos. É um órgão vazio, oco, feio, escuro e sem oxigenação. Assim como a vida daqueles que abandonam, maltratam, desrespeitam os cães e todos os animais. É uma trajetória amarga, nojenta, hedionda, desproporcional. Onde não habitam os bons sentimentos.

Diz um provérbio popular ou um pensamento de quem desconheço a autoria que se deve desconfiar de pessoas que não gostam de cachorros. E o que fazer com aqueles seres que não podem ser chamados de humanos que maltratam os animais? O que dizer de homens e mulheres que soltam seus cães nas estradas quando não querem mais conviver com eles? O que esperar daqueles que assistem sem nenhuma atitude para impedir tal atrocidade um cusco ser brutalmente assassinado depois de uma tentativa de envenenamento na área interna de uma famosa rede de supermercado? Como classificar quem mata um cão indefeso quando o que o animal mais necessitava e esperava era um simples gesto de carinho?

Não sei. Tenho evitado olhar o vídeo que mostra os assassinos do cão no supermercado Carrefour de Osasco (São Paulo), não só porque me embrulha totalmente o estômago, mas, principalmente porque choro compulsivamente. Fico imaginando a dor do cão, a falta de humanidade daqueles que viram seu sangue escorrer pelo chão do comércio sem nada fazer para socorrê-lo, tentar reverter a violência, conceder um pouco de afeto na hora da sua morte? E fico pensando que os assassinos covardes do cãozinho, responsáveis por tal barbárie, devem sim ser punidos, devem pagar pelos seus erros, devem explicar a mando de quem cometer tal crime. Todo meu amor ao cãozinho de olhar triste tão brutalmente morto no Carrefour de Osasco.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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