As respostas estão nos livros

Por Marino Boeira

Os judeus eram chamados de O Povo do Livro.

O livro era o Torá, parte da Bíblia cristã.

Isto talvez explique, um pouco, o poder político e econômico que alcançaram no mundo civilizado.

Os muçulmanos têm o Corão.

Mais do que armas, são os livros que organizam os povos, formam as nações, projetam as grandes mudanças da história.

As ideias não estão no ar para que possam ser alcançadas por qualquer um. Elas precisam ser lentamente digeridas, transformadas em frase e palavras e, depois, difundidas com vagar, num lento processo que vai dos mais hábeis na sua leitura, até chegar aos mais toscos, muitas vezes transformadas em simples palavras de ordem.

Quando alguém ergue um cartaz dizendo #ForaTemer, ele estará provavelmente sintetizando um pensamento político que começou com uma longa análise dos interesses envolvidos, num processo que terminou com um golpe de estado de 2016.

Os juízes dizem que o que não está escrito nos códigos de leis não existe.

É pouco. Os códigos representam a fossilização do pensamento.

Existem livros e livros. 

Alguns servem apenas para deixar registrado o presente, como os códigos de leis.

Outros apontam o futuro.

É sobre esses últimos que vamos falar.

Nem sempre assumem o formato tradicional de livros. São impressos, muitas vezes, numa folha de jornal ou num panfleto de rua.

Estes é que são perigosos.

O famoso "J´Accuse", de Emile Zola, ocupou apenas a primeira página do jornal parisiense L´Aurore, em defesa de Albert Dreyfus, em 1896, mas é hoje citado como uma das peças mais importantes contra o preconceito racial no mundo inteiro.

O documento social mais importante do mundo moderno, o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, escrito em 1848, que serve desde então como orientação para os movimentos socialistas do mundo inteiro, foi originalmente uma publicação com não mais do que 30 páginas.

Embora o pensamento mais retrógrado do século XX esteja contido também num livro - Minha Luta (Mein Kampf), de Adolf Hitler - de um modo geral, os ditadores, e principalmente os que representam a direita política, temem os livros.

A queima de livros em praça pública, em maio de 1933, em Berlim, de autores como Freud, Einstein, Stefan Zweig, Thomas Mann e Erich Maria Remarque, é desde então, um símbolo do ódio dos nazistas ao novo.

Quantas pessoas no mundo inteiro se confessaram socialistas e humanistas, depois de lerem Les Thibault, de Roger Martin de Gard?

Milhares de pessoas leram o romance, ambientado na França às vésperas da Primeira Grande Guerra, e aprenderam com Jacques Thibault, que as disputas capitalistas levam sempre às guerras.

Roger Martin de Gard ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1937, quando o mundo estava às vésperas de uma nova guerra mundial.

Quem transformou LuÍs Carlos Prestes no Cavaleiro da Esperança, foi um livro de Jorge Amado, que começa assim:

"Te contarei a história do Herói, amiga, e então não terás jamais em teu coração um único momento de desânimo. Como naquelas noites em que o seu nome, balbuciado por vezes a medo, afastava a amargura e o terror, agora eu falarei dele pra que tu e o povo do cais que me ouve, saibam que podem confiar que a noite não é eterna".

O livro foi publicado em espanhol, em Buenos Aires, em 1942, e trazido clandestinamente para o Brasil. A primeira edição brasileira apareceu em 1945, mas, a partir de 1964, a obra foi proibida novamente, só voltando a ser editada em 1979, porque os ditadores da ocasião sempre temeram a força de um livro.

Talvez, o que esteja faltando hoje no Brasil sejam políticos que leiam mais livros. A pobreza dos argumentos apresentados, mesmo em defesa de posições mais progressistas, é constrangedora.

Talvez, a única grande exceção a essa regra seja o ex-governador Tarso Genro, que, semanalmente, em seu espaço no Sul21, analisa a situação política do Brasil a partir de uma posição intelectual solidamente embasada nos ensinamentos de grandes autores, não só da política, como também em outras áreas do conhecimento humano mais avançado.

Como ele parece, ainda assim, acreditar que a retomada do caminho, que um dia levará o Brasil a se libertar do capitalismo financeiro predatório internacional, esteja dentro das regras da sociedade democrática ocidental e não numa opção mais radical, não custa lembrar a ele o que diz István Mészáros em seu livro Atualidade Histórica da Ofensiva Socialista:

"O discurso político tradicional geralmente proclama o sistema parlamentar como o centro de referência necessário de toda a mudança legítima. Sem o estabelecimento de uma alternativa radical ao sistema parlamentar, não pode haver esperança de desembaraçar o movimento socialista da sua atual situação, à mercê das personificações do capital que existe em suas próprias fileiras."

Mészáros é radical na crítica às opções reformistas feitas no passado por partidos comunistas e trabalhistas, principalmente o Partido Comunista Italiano, com o seu fracassado projeto de "compromisso histórico" e o Partido Trabalhista Inglês com a sua ilusória "terceira via". Sobra também para Gorbachov, que, de acordo com ele, fechou o Partido Comunista da União Soviética com um decreto.

Segundo ele, "o movimento socialista não terá sucesso, a menos que se rearticule como um movimento revolucionário de massas, ativo de maneira consciente em todas as formas de luta política e social: local, nacional, global/internacional. Um movimento revolucionário de massas capaz de utilizar plenamente as oportunidades parlamentares, quando disponíveis, ainda que limitadas nas atuais circunstâncias, e, acima de tudo, sem medo de afirmar as demandas necessárias da ação extraparlamentar desafiadora".

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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