Chatices de fim de ano

Por Flávio Dutra

Está aberta a temporada de chatices de fim de ano. Com isso, é cada vez maior o número de pessoas que se deprimem, ficam melancólicas nesta época e admitem publicamente que detestam as chamadas festas natalinas. A estatística de desgostosos cresce na proporção direta em que o comércio antecipa suas campanhas de Natal, com o objetivo de vender mais e quanto mais cedo melhor. Os shoppings, esses templos do consumo, se enfeitam como se disputassem um campeonato de ornamentação natalina.

Particularmente, já curti menos o Natal, mas voltei a me entusiasmar por causa das netas e neto, Maria Clara, Rafaela, Lívia e Augusto. Natal é a grande festa da criançada que adora as tais casas do Papai Noel nos shoppings, mesmo que os pequeninos ainda se assustem com o velho gordo, de barbas brancas e vestido de vermelho. Mas, como diz minha faceamiga Monica Goulart, acabar com a fantasia das crianças é crime inafiançável.

Eu prefiro olhar as assistentes do personagem, mas não pensem que é um olhar de más intenções, apenas um gesto fraterno de solidariedade, creiam-me, às moças que lidam com crianças irrequietas ou assustadas e pais ansiosos. Pois é assim que se estabelece o ciclo que vai impulsionar ao consumo: atraindo a criança para o ambiente repleto de ofertas de produtos e serviços, é inevitável que os mais velhos sejam levados ao ato da compra. Os números variam conforme a pesquisa, mas de 50 a 60% dos brasileiros admitem fazer compras por impulso. E a roda da economia anda.

Frequentar os shoppings nessas circunstâncias não é a pior chatice do período. Tem coisas que nem o CD natalino da Simone (ainda existe?) ou o show do RC conseguem bater em termos de malice. O noticiário esportivo, por exemplo, se esmera em nos torturar com teses sobre o bom ou mau desempenho dos nossos clubes, o futuro incerto nas competições que virão e as especulações sobre reforços e dispensas. E as retrospectivas repletas de pequenos e grandes dramas; e as previsões para o próximo ano, repletas de obviedades. E os comerciais piegas; e a programação de fim de ano das TVs. Ah, e tem a festa da firma e o inevitável Amigo Secreto, que, por si só, já mereceriam uma boa dose de Prozac.

É quando sobrevém aquele sentimento de impotência e incompetência pelo que foi planejado e não realizado. Sempre fica algo para trás, inconcluso, desafiador, a debochar da nossa capacidade de entrega, como se os 12 meses passados não fossem mero recorte de um tempo que prossegue, um tempo em que nem tudo precisa ser renovação, mas sim um espaço para continuidades e retomadas.

Relaxemos, pois, porque há vida após o Natal. O ciclo recomeça logo adiante, na passagem para mais um ano, uma etapa que, como as outras anteriores e as que virão, nada mais é do que representação  de uma convenção. Perdão pelo reducionismo, mas é simples assim. Portanto, não precisa forçar a alegria.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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