Festas de final de ano ressuscitam meus sentimentos de saudades

Por Márcia Martins

Todo ano, invariavelmente no início do mês de novembro, quando as lojas exibem as suas primeiras decorações natalinas, os panetones ocupam o lugar principal nas prateleiras dos supermercados e as pessoas começam a comentar nos seus trabalhos ou grupos de convivência a realização do amigo secreto, meu coração acelera e ressuscita o sentimento de saudade. Na realidade, ele apenas desperta a saudade que volta e meia adormece, tira uns cochilos, sossega um pouco, ajeita-se um tanto escondida, mas está ali sempre pronta e disposta a reaparecer com toda a força, ser a protagonista dos meus momentos. Entra em cena a saudade intensa e doída da minha mãe e da sua alegria e entusiasmo com a reunião da família para as festas de Natal e Ano Novo.

Não tem como pensar em casa adornada com decoração natalina, sem fazer associação com a dedicação da minha mãe Mirthô Peçanha Martins em pendurar os enfeites em cada canto do apartamento da Rua Doutor Barros Cassal. Mamãe colocava adereços nas portas, nas janelas, na cozinha, no banheiro e montava a árvore de Natal mais iluminada e colorida do mundo. Não tem como pensar em presentes de Natal sem lembrar dos telefonemas da mamis querendo os detalhes do que cada filho, genros e nora, netos e netas queriam ganhar na noite de 24 de dezembro. Mamãe era especialista em acertar nas escolhas dos presentes de Natal e abria um sorriso indescritível de felicidade ao ver o momento da abertura de tais presentes e a satisfação de quem os recebia.

Impossível planejar os pratos culinários da ceia natalina e de Ano Novo sem recordar da preocupação da Mirthô em programar as iguarias das noites de festa. Mesmo quando já com a saúde totalmente fragilizada, mamãe não descuidava de nenhum detalhe dos aperitivos, da entrada, do prato principal e da sobremesa. Pensava naquilo que cada filho e/ou filha, genros e nora, netos e netas gostava mais de comer e aprontava uma especiaria gastronômica para cada um. Ansiosa, mamis começava a falar nos preparos culinários das festas uns dois meses antes. E ao revelar, com antecedência, aquilo que planejava fazer, esperava também a aprovação antecipada dos familiares que, não raro, chegavam inclusive a salivar só de imaginar os pratos a serem preparados.

A minha mãe curtia como ninguém as tais festas de final de ano porque se transformou, com o passar dos anos, na mais perfeita anfitriã. Nada lhe escapava. Nada lhe fugia do controle. Nada lhe parecia cansativo demais apesar dos seus mais de 70 anos. Nada lhe tirava a vontade de mimar os filhos, presentear os netos e netas, paparicar os genros e nora e surpreender, inclusive algum amigo dos filhos que se convidavam para partilhar destes momentos. Mirthô gostava de ouvir elogios, de escutar que a comida estava especial, que a bebida havia atingido a temperatura ideal e que as sobremesas nunca estiveram tão saborosas. E delirava toda vez que alguém confessava o seu acerto em comprar determinado presente.

Por isso, desde julho de 2011, quando mamãe faleceu, eu perdi um jeito de curtir o Natal e o Ano Novo que eu tinha. Por isso, desde 2010, ano do último Natal e Ano Novo experimentado ao lado da Mirthô, eu abandonei um pouco a ternura que me invadia e me concedia ânimo para pensar o Natal, os presentes a serem comprados, as comidas a serem planejadas. Por isso, com a ausência da mamis indagando quem da família iria estar presente, que horas cada um deveria chegar, se alguém gostaria de dormir na casa dela para não precisar enfrentar trânsito no meio da madrugada, eu custo demais para me entusiasmar, preparar a casa para o Natal, pensar nos presentes da filha e dos dois afilhados, planejar um amigo secreto com as gurias.

É complicado. Porque é só pensar em Natal que meu peito dói de saudades da minha mãe. É desconcertante. Porque é só imaginar a árvore toda enfeitada que imagino a cara de felicidade da minha mãe com as luzes piscando e iluminando o ambiente. É agoniante. Porque é só planejar na casa de quem vou passar o Natal (sempre vou para o meu irmão, em Butiá) que vislumbro a minha mãe dando pulos de alegria com a possibilidade de ver (ainda que em outro plano) a família reunida e as crianças sorrindo com o desembrulhar dos pacotes. É penoso. Porque é só lembrar daqueles pratos deliciosos que a minha mãe preparava para as festas que chego inclusive a sentir tais aromas culinários.

Talvez por isso somente na tarde da terça-feira passada, um pequeno resquício do tal espírito natalino tenha batido na porta da minha casa. E remexi na parte de cima do roupeiro atrás de alguns enfeites que pudesse colocar em pontos estratégicos na casa para não facilitar o ataque suicida do cão selvagem Quincas Fernando Martins. Pendurei um Papai Noel ali, uma guirlanda ali, um arranjo acolá. Mas ainda assim, falta um pedaço insubstituível no meu Natal. Um pedaço que nem a pior das saudades, enternecida, é capaz de trazer de volta.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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