O espelho mágico

Por Marino Boeira

Todo mundo conhece aquela história infantil da Branca de Neve e da rainha má e seu espelho mágico.

Fico imaginando o que um espelho mágico como aquele nos mostraria, hoje, se parássemos na frente dele.

Certamente nossa imagem não seria das melhores.

Como é um espelho mágico, ele não mostraria apenas a nossa aparência física, mas também os nossos sentimentos.

É claro que não precisamos sair espalhando por aí os nossos defeitos, mas eles estriam lá, mostrados pelo espelho.

Somos mesquinhos, invejosos, raivosos.

Caso o seu espelho mágico, como o meu, tenha um registro desses sentimentos, veremos que no passado, muitas vezes desejamos a morte dos nossos inimigos; tivemos inconfessáveis preconceitos de todo o tipo, de raça, de cor e de gênero; invejamos profundamente o sucesso de outros e ficamos torcendo para que, finalmente, aconteça alguma coisa errada em suas vidas.

O que espelho não mostra, porém, é que diariamente tentamos domar esses sentimentos menos nobres, porque sabemos que para viver numa sociedade, precisamos estabelecer limites para eles.

Não precisamos ler Freud e seus divulgadores para saber que civilização é repressão.

Fosse fácil viver respeitando os direitos dos nossos semelhantes, quando vemos que isso significa uma perda de espaço nosso, nossa condição de seres civilizados não teria o mérito que tem.

Eu, como tantas outras pessoas que conheço e talvez mesmo a maioria das pessoas, somos combatentes diários na conquista da vida civilizada.

Mas nem todos são assim, infelizmente.

Assistimos hoje no Brasil a ascensão de uma série de personagens que se sentem liberados para externar os piores sentimentos que o ser humano pode ter - ódio, preconceito, inveja - e se orgulharem deles.

Ao contrário de nós, que os reprimimos, eles o proclamam publicamente.

Obviamente, estou falando de Bolsonaro e seus principais seguidores.

Nunca na história recente do Brasil, mesmo durante a ditadura militar, o governo foi representado por figuras tão mesquinhas, vulgares e até mesmo caricatas, a começar pelo próprio presidente e seguindo com seus ministros como Onix Lorenzoni, Ernesto Araújo, o colombiano Ricardo Velez Rodrigues e a pastora Damares Alves, isso sem esquecer os agentes do mal, Paulo Guedes e Sérgio Moro.

Dispondo de um extraordinário poder de disseminação de suas ideias, eles estão ajudando a liberar em milhões de brasileiros esses baixos sentimentos.

Talvez esse despertar de tanto ódio forme uma torrente de sentimentos incapaz de ser contida nessa nossa geração.

Nós, que nos consideramos civilizados ou que pelo menos nos esforçamos para viver como se fôssemos, tentamos erguer contra ele uma barreira feita de argumentos racionais, que poderiam ser aceitos em outra época.

Hoje, vamos ser varridos do mundo da política sob os aplausos da maioria dos brasileiros.

Talvez, precisaremos voltar às catacumbas dos antigos cristãos ou às velhas células comunistas, para defender os pequenos espaços de sanidade que ainda nos restam.

Quem sabe, espaços para discutir literatura, cinema e lembrar como era aquela época, onde homens e mulheres se sentiam fraternalmente ligados por sentimentos de amor, justiça e igualdade.

Enquanto isso, acho que vou quebrar o meu espelho mágico.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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