Oprimidos e opressores no cinema

Por Marino Boeira

Dois impérios, duas lutas de oprimidos contra os opressores, dois filmes para serem lembrados. Os impérios: o norte-americano atual e o otomano do início do século passado. As lutas: dos árabes contra os norte-americanos e a dos gregos contra os turcos. Os filmes: 'Guerra ao Terror' (The Hurt Locker), de 2009, e 'Aquele que Deve Morrer' (Celui Qui Doit Mourir), de 1956. Uma diferença: no primeiro filme, temos a visão dos opressores; no segundo, dos oprimidos.

'Guerra ao Terror', dirigido por Kathryn Biglow, ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2010 e Kathryn, o de Melhor Diretora. A obra acompanha um grupo de soldados norte-americanos, especializados em desmontar as bombas que os iraquianos, ainda inconformados com a dominação norte-americana, espalhavam pelas ruas das suas cidades. A rigor, são apenas três pessoas e um robô que atuam diretamente na operação.

No início do filme, assistimos uma a uma dessas operações, comandada pelo sargento Guy Pearce (Matt Thompson) extremamente cauteloso, que obedece a todas as regras do manual para o desarme das bombas, mas que, mesmo assim, acaba morrendo quando uma delas explode, acionada a distância por um insurgente.

Para o seu lugar é enviado outro militar, o oposto do primeiro em relação aos cuidados que devem ser tomados. Extremamente individualista, o sargento Willian James (Jeremy Renner) despreza o uso do robô, das roupas protetoras e do apoio dos seus companheiros.

Quase um suicida, ele parece brincar o tempo todo com a possibilidade de morrer na explosão. Apesar disso, tem sempre sucesso e conquista a admiração dos seus superiores. A ação se desenvolve linearmente, entrecortada apenas por alguns momentos destinados a mostrar que este herói militar não se relaciona mais com a mulher e o filho nos Estados Unidos e suas companhias permanentes são o cigarro e o uísque. As brincadeiras com os outros dois componentes do grupo se resumem a socos e tapas para mostrar quem tem mais resistência à dor.  

O sucesso do filme nos Estados Unidos se deve talvez a isso: um herói solitário, que resolve as coisas sempre do seu jeito, como nos velhos filmes do faroeste. No Iraque, o inimigo está sempre oculto e é incapaz de enfrentar de peito aberto o ranger norte-americano, o que transforma o filme em mais uma história de mocinhos e bandidos.

Os mocinhos são os norte-americanos e os bandidos, os iraquianos que adoram espalhar os artefatos explosivos no caminho dos sobrinhos do Tio Sam. Essa maneira simplista de ver a guerra, livre de qualquer conotação política, sempre ajudou a classe média norte-americana a suportar a dor de ver seus filhos morrerem em guerras travadas em lugares distantes - e sem qualquer sentido - a não ser a defesa dos interesses econômicos dos Estados Unidos. 

'Aquele Que Deve Morrer' foi dirigido por Jules Dassin, um norte-americano que teve que trabalhar fora do seu país, perseguido pelo macarthismo dos primeiros anos da década de 50. O filme, baseado no livro de Nikos Kazantzákis, 'O Cristo Recrucificado', conta como os gregos, oprimidos pelos turcos, se revoltam sob a liderança de um pastor, motivados pela representação da Paixão de Cristo durante a Semana Santa.

Trata-se de uma parábola sobre a história de Cristo, visto como um revolucionário. "Eu não vos trago a paz, mas a espada da guerra", diz, em certa altura, o padre vivido pelo grande ator francês Jean Servais, que lidera um grupo de famílias expulsas de sua aldeia pelos turcos, citando a Bíblia.

Como fazem todos os anos, com o consentimento do governador turco, os gregos da aldeia recontam a história da Paixão de Cristo, numa montagem teatral, só que, dessa vez, o pastor gago Manolios, interpretado por Pierre Waneck, acaba acreditando ser o Cristo redivivo, que vê nos otomanos os novos romanos e transforma sua pregação numa guerra contra os opressores.

Melina Mercouri, que foi casada 20 anos com Dassin e que, além de atriz, seria mais tarde deputada e ministra da Cultura da Grécia, é a prostituta da aldeia, que incorpora o papel de Maria Madalena. Jules Dassin, que morreu em 2008, em Atenas, com 96 anos, ficou famoso na década de 40, nos Estados Unidos, ao realizar 'Brutalidade' (Brute Force), com Burt Lancaster, e 'Cidade Nua' (The Naked City), com Barry Fitzgerald.

Na década de 50, acusado de ser comunista, se obrigou a viver na Europa, onde realizou, pelo mais, dois ou três clássicos do cinema, além de 'Aquele Que Deve Morrer'; 'Sombras do Mal' (Night in the City), na Inglaterra, com Richard Widmark e Gene Tierney; o policial Rififi (Du riifi che les hommes) com Jean Servais, na França, e que conta um assalto a uma joalheria de uma maneira que faria escola no cinema; e 'Nunca aos Domingos' (Never on Sunday), na Grécia, com Melina Mercouri.

 

 

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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