Um detetor de mentiras obsoleto

Esse Roberto Jefferson está prestando um grande serviço ao país. Sua performance diante das câmeras, em closes que revelam até os mínimos mecanismos musculares …



























Esse Roberto Jefferson está prestando um grande serviço ao país. Sua performance diante das câmeras, em closes que revelam até os mínimos mecanismos musculares dos ritos faciais, nos proporcionam um exercício de percepção humana como há muito tempo não tínhamos. Equivale a um exame de segunda época sobre a alma humana, uma revalidação do nosso diploma de conhecedores do caráter dos homens em geral e dos políticosem particular.


Essa é a lição imperdível que o professor Roberto Jefferson nos dá de graça: nos reindagarmos, pra valer, de uma vez por todas: sabemos mesmo quando estamos, ou não estamos, diante de uma grande pessoa? Até que ponto nosso instinto merece confiança quando a damos a quem não a merece? Esse Roberto Jefferson, canalha ou não, é o maior teste-drive que podemos fazer com o nosso imaginário.


A índole brasileira é isso ou isso é o que está por trás dela, sempre esperando a chance de sobressair? E essa fanfarronice patética, será um traço genético, herança de uma árvore genealógica iniciada há séculos com uma fdp? Podemos ou achamos que podemos distinguir no Roberto Jefferson os rasgões de sinceridade dos rasgos de genialidade cínica? Cada sessão é uma aula, cada aula uma secção do temperamento torpe e da personalidade dissimulada, tão bem focalizadas. E a nitidez da nossa observação, é nossa acuidade pessoal, ou é mérito das lentes televisivas?


Roberto Jefferson, na sua extrema segurança, como um patinador que desdenha o gelo fino, está nos passando um recado final, muito claro, que independe dos desdobramentos e das conclusões do caso. Sua expressão, auto confiante e matreira, parece se ufanar de si mesmo, numa honestíssima declaração da sua insuficiência de fundos morais: gente, eu e meus excelentíssimos colegas sempre fomos o que fomos, nos candidatamos vocês sabem bem porquê, nos elegeram sabendo de tudo.


A cara do Roberto Jefferson, ele não nega, está na cara! Assistir sua papagaiada deve produzir algum bem temporário à nação. Nem que seja o óbvio: reconhecer que nunca estivemos tão despreparados para avaliar pessoas como agora. E se tudo isso acabar em julgamento, não duvido: a ótica nacional o absolverá com um veredito extensivo à sua classe: ele é tão autêntico e verdadeiro!


Nosso instinto nos diz que nosso instinto não nos diz mais nada de útil.


1.
Falam mal do celular, mas só através dele. A engenharia eletrônica o pariu, a telecomunicação o pirou e a vigilância sanitária não o parou. Nada se escuta, de rigoroso e definitivo, sobre os efeitos da radiação no cérebro humano. A única suspeita, já confirmada cientificamente no Brasil, é um tipo de impotência crônica causada em todos os usuários: jamais conseguem nada sempre que reclamam de serviços e tarifas.


2.
Soubessem ler o tigres e entre eles circulassem nossos jornais, que horror nossas páginas causariam durante seu sanguinário breakfast? O mais faminto dos tigres, digerindo as nossas violentas notícias, compreenderia a fúria que nos move, mesmo quando estamos saciados de tudo? Sosseguem os tigres em sua compreensível carnificina: informação de arrepiar é dirigida apenas ao mais temível animal da jângal. Justamente o que não sabe nem selecionar os jornais que merecem leitura.


3.
Imagine o imaginável: textos de autores clássicos ou contemporâneos, famosos ou desconhecidos, bons pra caramba ou nem tanto, perdendo ou tendo trocado o que têm de mais original: a identidade criadora, que, afinal, dá ou tira o crédito à cada idéia. A seguir, imagine toda essa produção apócrifa impressa livremente em prensas manuais, impressoras gráficas e em rotativas, recebendo capas e encadernação. Imagine mais: farta distribuição gratuita de toda essa riqueza literária a qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar, a toda hora, quanto cada leitor quiser. Imagine então todos os leitores trocando tudo isso entre si e reproduzindo e redistribuindo à vontade. Imagine a confusão criada. Imagine não o fim dos direitos autorais (que aqui nem vêm ao caso) mas o fim da credibilidade de cada texto, de todos os textos. Imagine além ficção, imagine textos políticos, ensaios filosóficos, artigos científicos, obras didáticas, o que mais pensar. Agora imagine o inimaginável: toda essa desinformação já disponível na internet. Pois é. Sua imaginação chegou à ponta do iceberg.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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