Meus eternos domingos

Não vou falar hoje aqui dos amores que perdi; das pautas que não consegui cumprir; dos furos jornalísticos que já levei. Não vou me …

Não vou falar hoje aqui dos amores que perdi; das pautas que não consegui cumprir; dos furos jornalísticos que já levei. Não vou me lamentar pelos sonhos que não realizei, e nem lembrar quantas vezes as pessoas estiveram ao meu lado e não tive coragem para falar da importância delas em minha vida e nem vou reclamar da falta de dinheiro na carteira todo final de mês.  Porque, se Deus quiser, um dia eu morro bem velha, na hora H quando a bomba estourar quero ver da janela, e entrar no pacote de camarote e comemorar cada minuto de vida, cada erro e acerto.


Sei que cada em cada erro e acerto que uma pessoa acumula na sua existência só foi possível porque ela teve o apoio insuperável de um amigo. Então, vou falar hoje de um grande tesouro que tenho na vida e que alimento do melhor jeito que conheço: com muito carinho e dedicação. Meus amigos e amigas. Já encontrei várias definições para amigos, mas nenhuma delas me emociona tanto quanto uma que fala que "o verdadeiro amigo é aquele que diz o que você não quer escutar, na hora certa, e que você precisa ouvir", mesmo enfrentando a sua fúria.


A definição é perfeita para classificar a importância de um amigo. Somente um verdadeiro amigo liga de vez em quando para saber se está tudo bem, e na realidade, ele sabe que não está tudo bem, é só o começo de um assunto. Só um verdadeiro amigo para aguentar as suas manias, como seu jeito de encerrar um tema polêmico, sua fobia por organização, sua preocupação com a verdade, sua neurose com seus pertences. Só um verdadeiro amigo para ouvir você falar daquele eterno amor, que não lhe dá a mínima. Só mesmo um verdadeiro amigo para agüentar sua bebedeira e a chatice que acompanha aquele que passa da conta na bebida.


Desde pequena, sempre fui muito seletiva para chamar alguém de amigo. Por vezes, até fui criticada pela postura. Quando se é criança, qualquer ser que se aproxime e nos dedique minutos de carinho, já é chamado de amigo. É normal. Faz parte da carência infantil, da falta de definição dos sentimentos e da necessidade de ser aceito em grupos. Com o amadurecimento, é natural que o conceito de amigo ganhe novas nuances, mas nem todos adotam um conceito mais diferenciado. Sempre separei em classes: conhecido, colega, companheiro de trabalho e amigo.


E só encontro uma explicação melhor para amigo, cantada pelo Milton Nascimento: "Amigo é coisa prá se guardar do lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância digam não".  Pois li, não lembro onde, que 20 de julho é o Dia do Amigo, o que foi suficiente para motivar a coluna. E quero dizer que, se Deus quiser, um dia eu quero ser índio, viver pelada pintada de verde, num eterno domingo, ser um bicho-preguiça, e tomar banho de sol, banho de sol com todos os meus amigos. No meio jornalístico, nem sempre é fácil fazer amigos, por se tratar de um mercado onde a competição nem sempre é muito honesta. Tenho poucos e preciosos amigos, mas são insuperáveis e eles sabem disso.


Essa semana, no domingo, um grande amigo, companheiro de luta política e jornalista, fez aniversário. Meu grande amigo, juntos em três empregos. Ele certamente estaria comigo num eterno domingo. Na terça-feira, um viaduto da Terceira Perimetral, recém inaugurado, ganhou o nome de um grande amigo, um excelente secretário do qual fui assessora e que faleceu precocemente. Eu queria muito que ele estivesse comigo, sendo um bicho-preguiça num eterno domingo (difícil imaginá-lo quieto, mas vá lá). Diversas vezes, nesse início de semana, lembrei de nomes, como uma Adriana na infância, uma Sônia na adolescência, uns guris que cantavam no Pakus no início do cursinho, uma Lessa e Silvana na faculdade. Tantos nomes.


Alguns anos de profissão e o nome Jorge aparece várias vezes em uma única pessoa. Bela, Lúcia, Lili, Deise, Ed, Laura, Bel e Ricardo. No meio tempo, Magali e Graça. Um grande amigo que se foi, mas está comigo em eternos momentos, me mostrando a luz do caminho: meu irmão Dedé. A Flávia que não escolhi e tem sido uma inestimável amiga. Nossa, não são muitos. Mas valem mais do que tudo na minha vida. São, como diria uma música cantada pelos meninos do Pakus, "meu braço forte na luta, meu lado esquerdo na cama".


Uma pequena grande amiga minha, com quem convivo todos os dias há mais de 10 anos, foi viajar, e deixou tudo na minha vida mais vazio. A minha filha Gabriela foi passar uns dias das férias de inverno com o pai. Saudades dos seus passos correndo pela casa, dos seus braços me abraçando quando chego do trabalho, saudades das incontáveis estórias que só ela sabe narrar das suas aulas, saudades de sair pelo seu quarto juntando suas roupas pelo chão, saudades de ouvir a sua voz me dizendo que já chegou em casa e que está tudo bem. A Gabriela é uma amiga com quem quero estar sempre, todos os dias da semana, em eternos domingos. Sempre.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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