Um bê-a-bá da Babel

A Torre de Babel destes tempos já cravou suas fundaçơes entre nós. Sua estrutura, invisível, se consolida cada vez que há diálogos, papos, conversas, …

























A Torre de Babel destes tempos já cravou suas fundaç?es entre nós. Sua estrutura, invisível, se consolida cada vez que há diálogos, papos, conversas, palestras, conferências, o escambau. Seus pilares n?o s?o mais diferentes idiomas (as barreiras linguísticas caíram quando os mercados viraram um só). A Torre se ergue, altiva, na língua própria de cada povo. Nos desentendemos através do mesmo vocabulário.


A Babel moderna talvez seja isso: um amontoado de palavras com razoável conteúdo significativo a serviço da inexpressividade humana. Hoje, desdizer é mais fácil, simples e rápido que dizer. Negar, mais prático que afirmar. Dar a entender, mais usual que o entendimento direto. Se é que me entendem.


Na Torre em que ascendemos, os andares se superp?em enquanto rolam discursos, declaraç?es, divulgaç?es, desmentidos. Com a argamassa da subjetividade, surgem novos patamares de dúvidas e dubiedades. Apesar da falta de clareza, continua tudo em riba.


Enquanto se eleva com todo o material que a ela serve - de gírias a jarg?es, de indefiniç?es a imprecis?es -, a Torre exibe sua poderosa fragilidade. Paredes de contradiç?es em termos, vigas de linguagens corporativas, muros de tecnicalidades e cientificismos. Quem por ela circula tem que desdobrar a língua para saber com quem ou do que está falando.


Tamanho é o abismo entre os interlocutores da Babel que qualquer um é capaz de escrever um texto oco, vago, desinformado. Como este aqui. E assim mesmo fazer algum sentido para muita gente. Por isso a Torre cresce.


Qual a diferença entre cúmplices e testemunhas
da corrupç?o? No mínimo uns 10%.


A mentira tem pernas curtas.
E a mentira melhor escamoteada, saldo curto.


Atrás de todo corrupto bem-sucedido tem
uma secretária atrás do sucesso que n?o teve.


Agora se tem certeza: o decoro parlamentar
sempre foi decorativo.


Esses interrogatórios entre pares é como acusar
a imundície a partir do lado de dentro do chiqueiro.


Nos relatórios, pode ser difícil distinguir relatores e delatores.
A semelhança é cada vez maior!


Sou a favor do rigor nas investigaç?es.
Pelo menos no traje.


No tempo imediatamente antes desse atual, em que se recheia lingüiça com cachorro, se amarrava cachorro com lingüiça. N?o tem nada a ver, mas as sutilezas entre caráter e reputaç?o s?o t?o antigas quanto. Se a reputaç?o leva a vantagem de preceder a pessoa, o caráter tem a de n?o retroceder depois de conhecido. Hoje em dia está em alta a reputaç?o - tanto pro mérito quanto pro demérito. O caráter n?o está nem aí pra cotaç?o alguma. No jogo das aparências mal comparadas, os erros de avaliaç?o se sucedem; daí o insucesso do (reto) caráter e a permanência das bem-sucedidas reputaç?es. E estes os erros mais erráticos, n?o necessariamente em nenhuma ordem dada:


1. Caráter se mantém, reputaç?o vai e vem.
2. Caráter mancha, reputaç?o respinga.
3. Caráter vale por si, reputaç?o rende.
4. Caráter dói, reputaç?o anestesia.
5. Caráter faz amigos, reputaç?o faz clientes.
6. Caráter n?o tira o sono, reputaç?o cochila.
7. Caráter vem de berço, reputaç?o leva pra cama.


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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