Terra do Nunca

Hoje, não quero lhes falar das coisas quer aprendi nos discos, nem das pautas e nem dos desafetos. Quero lhes contar como eu vivi …

Hoje, não quero lhes falar das coisas quer aprendi nos discos, nem das pautas e nem dos desafetos. Quero lhes contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Quanta pretensão, alguém deve estar pensando. Claro que necessitaria de muito mais espaço e a minha biografia não seria assim tão interessante. Talvez picante. Hoje, quero dizer que viver é melhor que sonhar, que o amor é uma coisa boa, mas também que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa. Hoje, meus dedos insistem em escrever sobre esse perigoso limite que existe entre a passagem da infância para a pré-adolescência. Por favor, alguém pode me emprestar o manual que eu perdi esta aula.


É que, apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais. E os nossos filhos também? Não. Categoricamente é tudo tão diferente e tão destoante. Portanto, há perigo na esquina, no colégio, nas festas, nos trabalhos em grupo, nas conversas ao telefone e até na internet. Eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos "mais experientes". Assustador e simples. Os nossos filhos estão pré-adolescendo e só existe algo bem pior do que ser adolescente. De camarote, eu decreto: ser pré-adolescente é para derrubar qualquer mãe moderna, tese e psicologia inovadora.


A minha paranóia (será?) teve como cenário as semifinais esportivas da Taça do Ensino Fundamental do colégio de minha filha Gabriela, no último sábado. Desta vez, não fui a única a pagar mico e torcer pelas meninas da 5ª série, que têm alunos de 10 a 11 anos. Mais algumas mães arriscaram-se na empreitada. Depois de vencer o primeiro jogo, a turma da minha filha subia e descia alucinadamente as escadas preparando a tática para o próximo desafio, que seria mais puxado, contra a 6ª série, uma covardia. As mães, enquanto esperavam, trocavam idéias sobre amenidades.


Não é construtivo para o nosso crescimento ficar enclausurado no passado e lembrar das velhas roupas coloridas. Mas tudo tem limite. Assim, desinteressada com o novo assunto que uma das mães engatou, desviei minha atenção e olhei para o banco ao lado, em que uma turma da 6ª série aguardava o próximo jogo. Totalmente espantada, uma aluna (com não mais que 12 anos) estava com a sua boca literalmente colada na de um menino, que não é exatamente seu namorado. Ela está é ficando com ele, entenderam?


Antes que me acusem de ultrapassada: não foi um beijinho qualquer, fruto de um namorico bobo de colegas. Era daqueles que, diria, são mais profundos, geram arrepios, vontade de pular etapas, nada técnicos. Uma menina com um ano a mais que a minha filha, colada, boca a boca com um menino quase da mesma idade. Meu Deus. Eu vi o meu futuro. E, compreendi sem muito esforço porque não havia nenhuma mãe de aluna da 6ª série fazendo torcida. As filhas certamente não queriam as mães atrapalhando. Se é que as mães foram avisadas do compromisso. Algo que faz supor que a Gabriela não irá me avisar da Taça em 2006.


Fiquei analisando e observando o que será o meu futuro no próximo ano, e já imaginei um cabeludo com tatuagem e piercing na orelha (juro que não disse isso, escapou?) chegando lá em casa e dizendo: "E aí, tia?". Sem cerimônia, já vai entrando no quarto de Gabriela. E o que eu vou fazer ? Alguém me ajude. Como ser moderna, amiga, mãe, companheira e ao mesmo tempo montar vigia? Como dar um jeito de ir até o quarto e oferecer um suco e um bom sanduíche sem que isso pareça o que é: um pretexto para dar uma olhada no que estão fazendo? Como encontrar um meio-termo entre liberdade e permissividade?


Nossos ídolos não são os mesmos, as aparências não enganam não, as fórmulas mudaram, as dicas de como educar também. O que fazer? Alguém me ajude. Tem como eu parar o mundo, nesse instante? Em que ainda consigo abraçá-la tão forte que meus braços não são suficientes, e beijá-la com tanta força que minha boca irá se cansar, e contar estórias e estórias e ela não adormecer de fadiga, e travestida de fada sininho, eternizar esse momento na Terra do Nunca?

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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