Nosso nome era Enéas

A Justiça paulista impediu o candidato a vereador do PTN, Enéas Filho, de dar o grito do outro Enéas, aquele que foi esbravejar nas …

A Justiça paulista impediu o candidato a vereador do PTN, Enéas Filho, de dar o grito do outro Enéas, aquele que foi esbravejar nas campanhas celestes. Vocês lembram?


Primeiro a gente ficava surpreso ao ver o negativo careca do Hermeto Paschoal. Depois achava engraçado. Mas aos poucos o grito do Enéas foi mexendo com todo mundo. Se assistia ao horário político só para ouvir o grito do Enéas. Ficava-se tenso, se ralhava com as crianças, se aumentava o som da televisão. Era como se algo pudesse dar errado, a voz do Enéas não sair, sei lá. Era pior que uma decisão por pênaltis. Só em pensar que o grito do Enéas poderia engasgar deixava uma sensação ruim na gente, um vazio, algo como levar um bolo da namorada no dia do nosso aniversário.


Tinha algo naquele grito, não? Algo obscuro, desesperado, uma dor ancestral, um lamento mais velho do que as lágrimas, ou até mesmo que a Hebe Camargo. Aquele grito vinha do fundo da alma do Enéas, não apenas do fundo daquelas barbas negras. Aquele grito vinha de mais fundo ainda, de mais longe. Acho que aquele grito vinha do fundo da alma de todos os homens comuns, solitários, humilhados, ofendidos, traídos, loucos, com unha encravada, joanete, espinhela caída, desdentados, com pés chatos, pereba, lumbago? É isso, a gente se reconhecia naquele grito, aquele grito era nosso, éramos todos nós pedindo socorro pela boca do Enéas. Éramos todos nós tentando comunicar ao mundo, por uns segundos, que existíamos.


Só mais tarde soubemos que parte da emoção nesse grito, talvez a mais eletrizante, se devia à perspectiva de meter a mão em algum.


Falta de limites


Estamos sofrendo nova campanha eleitoral. Lembro de um candidato a vereador, de uma campanha passada, que espalhou sua fotografia pelos postes com o slogan: "Meu sonho não tem limites". Como não? Os sonhos têm limites, sim - os limites da inteligência, da imaginação, da sensibilidade da pessoa. O que parece não ter limites mesmo é a burrice. A burrice, o descaramento e a desonestidade.


O penteado da senhora Obama


Não espero nada do Obama, fora a diversão de ver a gringolândia dirigida por um negro, coisa de zé-mané, claro, como ver o Daniel Dantas algemado. Mas se esperasse algo mais "sustancioso", meu ceticismo teria dado um pico: vi o penteado da mulher dele. É igualzinho aos das demais primeiras-damas.


Deu no jornal


oOo Abin recebeu mais de 200 milhões de verba. Puxa, eu pensava que investimento em inteligência era coisa da educação. oOo Gilmar Mendes defende reajuste do salário do Supremo. Em comparação com o salário mínimo, parece excessivo. Comparado ao que o Daniel Dantas ganha, parece irrisório. oOo Tortura em Guantánamo vira atração de feira em Nova Iorque. Livre comércio é isso aí, minha gente. oOo Homens sentem mais dificuldade após o divórcio. Precisava de um estudo psicológico pra concluir isso? Vocês não lêem a crônica policial? oOo Pílula atrapalha o olfato e a escolha do parceiro. E antes da pílula, de quem era a culpa pelos casamentos errados? oOo Lula declarou que é bem possível que seu sucessor seja mulher. Mas não há nada de concreto sobre Tarso Genro fazer uma cirurgia pra troca de sexo. oOo


Stan Lee


Stan Lee, em parceria com a repelente Paris Hilton, vai bolar uma heroína pra MTV. Fiquei pensando: não deve ser grana, mas senilidade. Depois lembrei que ele fez uma boa gozação com a heroína baseada na Pamela Anderson. Vou torcer pra que o velho não tenha perdido a garra.


Ver para crer


Sou fascinado pela vida dos santos, aquelas obsessões todas - obsessões que levam beatas e psicanalistas a uivarem de prazer. Mas sobre São Tomé não sei nada, fora aquilo de ver para crer. Cá pra nós, São Tomé devia ser um cretino de pai e mãe. Dos nossos sentidos, o mais fácil de enganar é a visão. Se não fosse assim, os mágicos perderiam o emprego, confere?


Vivo


Elvis vive. Elis vive. Bin Laden vive. Só mesmo eu ando mais pra lá do que pra cá.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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