Bananas e o jeitinho brasileiro

Não sei se as autoridades, digamos, competentes notaram um aumento considerável na venda de bananas. Não sei se notaram também o que isso tem …

Não sei se as autoridades, digamos, competentes notaram um aumento considerável na venda de bananas. Não sei se notaram também o que isso tem a ver com a lei seca. É o seguinte: depois de comer duas bananas, você pode passar pelo bafômetro sem ser pego. Vários motoristas e biriteiros garantem isso. Espero que seja apenas mais uma lenda urbana.



Esses dribles sempre me surpreendem - como somos rápidos, como somos criativos. Mas depois fico matutando: por que nossos escritores, teatrólogos, artistas plásticos, cineastas e cientistas não chegam nem perto dessa rapidez e criatividade? Se nossos escritores tivessem metade da astúcia demonstrada por políticos corruptos e conseguissem apreender metade do clima tragicômico dos grandes casos nacionais, estaríamos feitos. Mas não. Nós nos consumimos no brilho de comer duas bananas depois do porre.



Um povo alegre e fugaz. Desse jeito, com um destino também fugaz, mas bem menos alegre.



Saramago



Fábio Fernandes, no Le Monde Diplomatique, sobre Saramago: "Sua escrita é convoluta, arbórea, por vezes quase rizomática em seus desvios e paradas para ironizar o comportamento humano". Há um modo mais simples de descrever a situação: Saramago enche lingüiça.



Enssaio sobre a cegueira



Associação americana de cegos boicota o filme de Fernando Meireles. Eu, como esses cegos, não vi e não gostei, mas por motivos diferentes. Eu, desmamado nos anos 70, durante a ditadura, não tenho saco pra alegorias, principalmente as políticas. Já os cegos da associação essa acham que foram tratados como depravados. É, vale o lugar-comum: a pior cegueira é a que vê chifre em cabeça de camelo.



Macacos de auditório



Há os que torcem por Saramago e os que torcem por Lobo Antunes. Sei que vou levar uma vaia do Oiapoque ao Chuí, mas não tenho medo de vaia: acho esses dois muito chatos, como acho chato todos os escritores que dizem, não mostram. Sabe como é? Há uma frase do esplêndido Tchecov que ilustra essa pinimba. Ele dizia algo como: não me diga que a lua brilha no céu, me mostre o reflexo dela num caco de vidro. Em matéria de escritores portugueses ainda sou mais o Santos Fernando. Mas, claro, como é um tremendo gozador, os candidatos a intelectuais não se sentem à vontade com ele.



Alegorias



A vida é como um romance policial cheio de suspeitos sem o último capítulo. Às vezes pensamos ter entendido a trama, mas, no último instante, o sentido nos escapa. Pra mim, a literatura e o cinema são bons quando, de um jeito ou de outro, tocam esse mistério. Sempre lembro de uma observação do Huxley sobre Os possessos do Dostoievski: aquilo tudo faz tão pouco sentido que parece real. Daí meu desprezo pelas alegorias, que são uma espécie de esquema matemático, com um resultado que o vestibulando pode marcar com uma cruzinha.



Deu no jornal



oOo A estilista Vivienne Westwood diz: "Acredito que minhas roupas são uma crítica à mediocridade e à ortodoxia". As minhas são uma crítica mordaz ao estado de mendicância crônica em que vivem os escritores. oOo Jegue é preso no Egito acusado de roubar milho. Gilmar Mendes, numa sessão do copo, consulta Palmira Gobbi sobre possível hábeas corpus. oOo Alguém ainda lembra da dona Palmira Gobbi? Entre outras coisas, na defesa dos animais, ela queria que os cavalos usassem chapéu no verão. Hoje, com a camada de ozônio esfarrapada, isso é mais atual ainda. oOo Alemão foi preso por alugar a mulher a um vizinho por uma caixa de cerveja mensal. Não se mencionou a marca da cerveja pra evitar o protesto das concorrentes. oOo



Deu no jornal com destaque



93% dos projetos dos vereadores do Rio são irrelevantes. 93%? Eu não seria tão otimista. Depois, isso não é só no Rio. Isso acontece em toda parte. A igualdade humana, cantada em prosa e verso, empacou na irrelevância. Ou você acha que ela tem chance em outras facetas, como coragem, inteligência, ética, sensibilidade?



Sarah Palin



Os criacionistas são a melhor prova de que ainda descendemos dos macacos.


Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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