Festival de Boçalidade que Assola o País

Lendo os dados de uma pesquisa do IBGE, topei com a expressão "taxa de nupcialidade". Li duas vezes antes de acreditar. Santa paciência, por …

Lendo os dados de uma pesquisa do IBGE, topei com a expressão "taxa de nupcialidade". Li duas vezes antes de acreditar. Santa paciência, por que essa sanha de acadêmicos e burocratas em tornarem a língua cada dia mais feia?



Os acadêmicos dizem que não podem usar uma linguagem cotidiana, que seu discurso precisa se diferenciar. Por quê? Ninguém está exigindo que falem em gíria, que eu saiba. Se acham mais adequado falar num tom discreto, pra parecer objetivo, tudo bem. Se precisam usar termos complicados que remetem a conceitos, idem. Mas a troco de quê você precisa dar um ar de profundezas abissais a pensamentos quase sempre corriqueiros? Ou o negócio é esse mesmo, disfarçar o vazio mental com palavrório empolado? É bom não esquecer também que as palavras são uma cachaça braba. Muito poucas vítimas do vício se salvam. Os asilos estão cheios de exemplos, perdão, as academias.



Olha, as pessoas se casam, não contraem núpcias. Se contraía núpcias quando se pensava que o casamento era uma doença incurável. Hoje, com o divórcio e novas tecnologias, ficou mais fácil casar.



Em vez de perder tempo com ninharia, o IBGE devia fazer uma pesquisa para estabelecer a taxa de ignoranciabilidade e a taxa de posalidade dessa gentalha. Ou, pra dizer sucintamente, taxa de boçalidade. Sei, o Houaiss garante que boçal significa apenas estúpido, ignorante. Mas o povo sacou na hora a aliança nada fortuita entre a ignorância e a pose: boçal é o ignorante que faz pose de sábio. Por que esse sentido não foi registrado? E olha que não é de ontem que ele existe.



            Stanislaw Ponte Preta tinha o FEBEAPÁ, o Festival de Besteira que Assola o País. Mesmo que, muitas vezes, as duas coisas se misturem, seria bom para nossa saúde mental instituir o FEBOAPÁ, Festival de Boçalidade que Assola o País. Cartas pra redação. Com tantos políticos e economistas dando entrevistas não vai ser difícil achar exemplos.



Discussão



Tive uma discussão com um jovem escritor. Estamos em campos opostos. Ele quer sair de um livro com um conteúdo. Eu, com uma experiência.



Deu no jornal



oOo Dupla caipira Edson e Hudson vai se separar. Com quem ficam as crianças? oOo "Animais em situação de rua provocam preocupação." Linguagem em situação de academia preocupa muito mais. oOo UOL: "As chuvas que assolam o Estado já deixaram 114 mortos no Estado." A tragédia castiga Santa Catarina e os jornalistas diplomados castigam o noticiário. oOo Cascão toma banho, Mônica beija Cebolinha. Foram-se os últimos bastiões da civilização ocidental. Papa estuda excomunhão de Maurício de Souza. oOo Adriane Galisteu: "Sou do tipo sem calcinha". Manjo. Essa moça tem grande senso de administração: a viuvez de Airton Senna é uma empresa de sucesso. oOo "Agachados, papparazzi tentam clicar calcinhas de Paris Hilton." Próximo passo é instalar câmera na ponta do tico do namorado da mocréia. oOo



Sobra de campanha



Vocês lembram daquela senhora que disse que foi amante do McCain? Sei que muita gente ficou pensando: essa velhota não tem vergonha na cara? Foi-se o tempo em que as velhotas eram vovozinhas recatadas que o lobo comia, mas eram salvas em seguida pelo caçador, um pai de família ativo e enérgico. Isso é triste? Não sei. Fiquei triste por outra coisa. Onde foram parar os amantes brasileiros da Hedy Lamarr, Ava Gardner, Mae West, ou as amantes brasileiras do Humphrey Bogart, James Cagney ou sei lá de quem elas eram amantes? Onde estão os novos amantes brasileiros? Será que a Charlize Theron não está dando sopa? A Michelle Pfeiffer? A Winona Ryder? A Halle Berry? Que cambada de frouxos. A decadência é sempre uma droga, mas amante de um político idiota levando manchete? Tenha dó.



Verso solto



Triste como uma tatuagem em carne flácida?


Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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