Ilustres Passageiros

Nos tempos em que eu passava mais tempo voando do que em terra firme, quando o livro terminava, era preciso inventar algo para matar …

Nos tempos em que eu passava mais tempo voando do que em terra firme, quando o livro terminava, era preciso inventar algo para matar o tempo. Steve Jobs ainda não havia inventado o iPod e a solução foi tomar emprestado o sistema de um colega publicitário de New York. Ele se divertia nas esperas em aeroportos e nos vôos costa-a-costa simplesmente praticando o "people watching" - o que significa "ler" pessoas, decifrar quem são e o que fazem para viver.


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Rick Seaney escreve sobre aviação no The New York Times e no The Wall Street Journal. É um campeão de milhagem, com mais de um milhão de milhas voadas pelos continentes e sobre os mares. Seu livro sobre o comportamento de viajantes está na lista dos mais vendidos. Quando o li, fui procurar as anotações de meus tempos de "people watching" e encontrei algumas coisas curiosas.


? As tripulações da extinta Eastern na ponte-aérea Washington/New York colecionavam tipos inesquecíveis, como uma certa passageira, conhecida como a "Dama do Sabão Líquido". Ela tomava pílulas contra enjôo e bebia gim de uma garrafinha. Depois ia para o lavatório e entornava todo o conteúdo do frasco de sabonete líquido. Então, dormia por algum tempo, até que, uma vez, mordeu a perna de uma aeromoça que tentava acalmá-la na hora do pouso.


? Surly Sue era uma atraente aeromoça que fazia a rota Dallas/Miami. Usava um sorriso falso como uma nota de 3 dólares e o olhar intimidante do tipo "nem pense em pedir outro pacotinho de amendoim". As colegas de cabina diziam que ela andava à caça de um rancheiro rico. De volta a Dallas, anos depois, me disseram que ela havia encontrado o que queria.


? O piloto do vôo 2050 da American decidiu retornar a Chicago, depois que um passageiro da First Class, com evidentes sinais de embriaguez, insistia em ter uma garrafa de champanha só para ele. Quando o pedido foi negado, o homem saiu sapateando e cantando ao longo do corredor. Detido ao desembarcar, ele desculpou-se, dizendo que estava vindo do enterro da avó.


? Essa estória é tida como verdadeira. Um passageiro frequente da antiga Transbrasil reclamava constantemente da qualidade da comida servida a bordo. (E isso nos tempos em que havia duas ou mais opções de pratos). Sua principal queixa era que o forno de microondas deixava tudo com gosto de comida de pensão. De tanto receber cartas de reclamação, o comandante Omar Fontana mandou contratá-lo como provador na cozinha da companhia. Ele nunca mais reclamou.


? Cães-guias são permitidos a bordo quando acompanhando seus donos. Mas, em um vôo da United, prestes a decolar de Los Angeles, a aeromoça, que tinha medo de cães, exigia que uma senhora cega removesse seu cão-guia do caminho, cada vez que ela passava pelo corredor. A mulher se recusou e o comandante foi chamado. O caso foi resolvido quando acomodaram a senhora cega e o Labrador na Primeira Classe, onde ninguém tinha medo de cães.


? Para onde vão as bagagens perdidas e não-reclamadas? Eu alimentei esta dúvida por anos, até que viajei ao lado de um senhor de cabelos brancos e que usava um belo Stetson preto. Ele se apresentou como diretor da "Unclaimed Baggage Ltd.", uma empresa localizada no Alabama, que compra lotes de bagagens não-reclamadas. O conteúdo das malas é separado por categorias e vendido a preços de liquidação. A cada ano, um milhão de ávidos compradores vasculha suas lojas à cata de barganhas e curiosidades. (Agora sabemos para onde foram a filmadora, as gravatas e os livros que estavam naquela nossa mala perdida nas Bahamas?).


? Em um vôo de San Francisco para Atlanta, encontro Emily Post, autora de "Etiquette for Travellers", um precioso manual de sobrevivência em viagens aéreas. Ela me ensinou uma valiosa lição. Naquelas situações extremas, quando ficamos retidos sem explicacões em uma conexão, ou quando um vôo atrasa por muitas horas, é preciso lembrar que os atendentes de terra estão ainda mais estressados do que os passageiros. E que gritar ou brigar só ajuda a piorar as coisas. Emily Post aconselha: "Seja o mais polido possível com o pessoal da linha aérea. Eles vão lembrar de você quando fizerem a lista de espera".


? O 757 da American já havia pousado em La Guardia e aguardava por um gate disponível, quando um passageiro berrou: "Chega! Deixem-me sair daqui!". Avançou para a porta e puxou a trava, o que inflou o escorregador destinado a evacuar os passageiros em caso de emergência. Ele foi preso pelos policiais, mas permaneceu no avião - junto com mais 99 irados passageiros - por mais de uma hora, enquanto os mecânicos recolhiam o escorregador para que o avião pudesse encostar no gate.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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