O Carro com nome de índio

Saiu esta semana no "The New York Times": "DETROIT ?  A marca Pontiac, símbolo de apogeu e promessa para um brilhante futuro da General …

Saiu esta semana no "The New York Times":


"DETROIT -  A marca Pontiac, símbolo de apogeu e promessa para um brilhante futuro da General Motors, agora será parte de suas glórias passadas".


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Era um automóvel de verdade, quase uma limousine. Potente e luxuoso, se destacava dos Fords e Chevrolets que desfilavam nas ruas de Porto Alegre. Em algumas poucas - mas memoráveis - vezes, viajei naquele carrão, pegando carona com um colega de ginásio, filho de um gringo, diretor da companhia norte-americana de energia elétrica. Já naqueles dias, o carro mostrava a importância de seu dono. Mr. Bossmayer era o homem que tinha o poder de ligar e desligar as luzes do Estado.


Não tenho certeza do nome do colega, se Ronald ou Robert, mas lembro bem do Pontiac - um Streamliner 1950 preto, com enormes parachoques cromados e pneus de banda branca. Sobre o parabrisas, uma aba de plástico verde e faroletes de cada lado, como nos carros de polícia dos filmes de gangsters. As rodas traseiras eram cobertas por elegantes saias, que terminavam em sinaleiras rabo-de-peixe. Subindo a Avenida Independência, seus oito cilindros roncavam mansamente, fazendo as pessoas virarem a cabeça à nossa passagem.


Quando o carro estacionava na frente do Rosário, eu ficava rondando, esperando o convite do colega. E, quando ele me chamava, eu olhava ao redor, para ver se alguém de minha classe presenciasse o meu embarque.


O Pontiac negro exibia sobre o capô um estranho adorno, esculpido em cromo e cristal, no formato de uma cabeça de índio. Um dia, não resisti e indaguei o que significava aquilo. Mr. Bossmayer achou graça da minha curiosidade e respondeu com um sotaque carregado:


" - Ele era um cacique da tribo dos Ottawa, um guerreiro valente que se revoltou contra os casacos-vermelhos e matou muitos deles".


Mesmo sem saber quem eram os casacos-vermelhos, a estória me acendeu a imaginação. Eu fixava o olhar na ponta do capô, fazendo de conta que o cacique Pontiac nos levava a jornadas de aventuras pelas ruas e avenidas da cidade, talvez em direção às savanas do Velho Oeste. E quando chegava em casa, corria até o esconderijo, onde estavam os livros de Zane Grey, Karl May e James Fenimore Cooper. À minha espera, o "cow-boy" Tex Thorne, o bravo apache Winnetou, o amigo Old Surehand e os mais valentes de todos eles, Uncas e seu pai Chingachgook, o último dos moicanos.


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No ano seguinte, quando Mr. Bossmayer foi transferido, eu e alguns colegas acompanhamos Ronald (ou seria Robert?) até o cais do porto, onde embarcaram em um navio para Montevidéu. Foi uma estranha despedida, as pessoas abanando do convés enquanto o Pontiac negro era erguido por um guindaste. Antes dele sumir nos porões, a última  coisa que vi foi o brilho do sol nos cromados e a cabeça de índio sobre o capô.


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Ao longo dos anos, outros carros alimentaram minhas fantasias de minha adolescência. Como o imponente Cadillac 1952 de Frau Dreher, que morava defronte à Praça Julio de Castilhos, o Kaiser prateado do meu padrinho Armando Martau e ainda o MG cor-de-chumbo, que estacionava quase em frente à nossa casa, na Vasco da Gama.


Em uma viagem ao Canadá, quase cedi a tentação de alugar um belo Pontiac Firebird. Era vermelho, conversível e tinha um motor de 200 HP.


Mas senti falta de uma coisa - a cabeça de índio no capô.  

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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