Indigno Blue

O hábito não faz o monge, faz a rotina. Se não foi a costureira do mosteiro que sacou isso, vai ver foi o Levi …

O hábito não faz o monge, faz a rotina. Se não foi a costureira do mosteiro que sacou isso, vai ver foi o Levi Strauss, ao criar em 1853 aquelas calças duronas pros garimpeiros americanos.
De lá pra cá, não foi a calça de brim que amoleceu, foi o gosto do pessoal.
Ao enfiarem as velhas e customizadas calças azuis e desbotadas, o critério da adequação do vestuário também entra pelo cano: todos vão de jeans à formatura e ao futebol, a velórios e casamentos, a concertos e consertos, visitar amigo no hospital e parente no presídio, do vestibular ao prostíbulo.
O jeans liquidou com o conceito de arrumar- se porque a ocasião é especial. Quem se arrumou com isso foi a indústria de confecção. Ela propagandeia que jeans deixa homens e mulheres prontos pro que der e vier. Para o jeans comprado hoje ou recém-lavado e passado, ou encardido por semanas de uso contínuo, todas ocasiões se tornaram especiais. E quando todas as ocasiões são especiais, aí nenhuma é. Ainda mais com jeans cheirando a suor, gordura, gasolina.
Com o jeans fica claro que a pressa é inimiga da arrumação.
O jeans deixa a preguiça dominar o guarda- roupa, todos os lugares do cabideiro são lugar-comum. Assim, do feirante ao executivo, do neurocirurgião ao estivador, do marceneiro ao maestro, do astronauta ao faxineiro, da top model à cozinheira, do jornalista ao vândalo, entre todos e tantos a igualdade é azul.
Nunca se viu mesmice assim: rasgados, tachados, stoneizados, ajustados ou folgados, azulados ou acinzentados, o mimetismo toma conta da cintura pra baixo. Quadris, coxas e pernas se assemelham na aparência texturizada, uma paisagem costurada pela repetição de moldes e tons. A calçada é uma passarela previsível. O jeans uniformizou os que não usam uniforme.
O jeans ocupa páginas e telas, onde há notícia há jeans: o trem descarrilha e lá se estendem no chão as vítimas, a maioria de jeans. Em meio aos protestos, os manifestantes pacíficos e os saqueadores de vitrines, todos de jeans. Pra fazer cocô na mesa da presidência da câmara dos vereadores do Rio, o militante apenas arriou os jeans. Por toda parte, o fotojornalismo comprova esse absolutismo grosseiro: estuprador e estuprada andam de jeans, assaltante e assaltado vestem jeans, o plantonista do SUS e a imensa fila usam jeans, no crime passional o amante e o marido traído, ambos de jeans. O etc. calça jeans.
Na sociedade massificada, traje varia de cor, ultraje é sempre blue.












Carnaval carioca:
a mais duradoura e espetacular
sequência de déjà vu do mundo.

Clichês atualizados:
"Mije com moderação."

O Brasil passa o ano todo
com escassez de apoteose e aí,
no Carnaval, tem excesso dela.


 

 













Se retiro espiritual
no carnaval fosse bom,
ninguém voltava de lá.

Atrás do trio elétrico só
não vai quem ensurdeceu.

Cabem muitas fantasias em cima
de um carro alegórico, embora
não tantas quanto sobre um divã.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

Comentários