Indecisos indecidem

Os Indecisos, essa maioria que nenhum partido conquista, podem ser a salvação da pátria. Porque os Indecisos nunca vão a extremos: eles não preferem …

Os Indecisos, essa maioria que nenhum partido conquista, podem ser a salvação da pátria. Porque os Indecisos nunca vão a extremos: eles não preferem A ou B, nem C ou D os atraem. Sua constância na inconstância os mantêm serenos, inflexíveis na mesmice. Se definem pela falta de definição, uma das poucas coisas definitivas neste país. Os Indecisos são estáveis e assim, pode-se dizer, são como guardiães e garantia da eterna estabilidade. Sua indecisão é um patrimônio inabalável: têm muita certeza do que não querem, que é infinitamente maior do que a dos que estão certos do que querem. Sua opinião não navega ao sabor dos ventos das pesquisas ou nas águas das influências. A firmeza de um Indeciso, junto a milhares/milhões de iguais pode decidir para onde vai uma campanha, que rumo seguirá o país - só que não. Não se sabe o valor dos Indecisos: eles não conseguem decidir se vendem ou se não vendem seu voto, e se isso decidem, lhes é impossível decidir o quanto cobrar. Os Indecisos odeiam tendências (embora nesse ódio sejam tendenciosos) e dedicam imenso desdém a lideranças.  Quanto ao voto nulo e ao voto útil, esses só aumentam sua indecisão tanto por cento. Aliás, a porcentagem é o único território em que se sentem seguros, pois em algum ponto se agrupam e viram maioria em incubadoras especulativas. De lá, sossegados por zona de prudência e almofadas de cautela, contemplam os atazanados por siglas. Assim, fortalecidos em si mesmos, se poupam e se preparam para algum momento crucial, o eletivo. Ainda bem que não constituem um partido decisório. Imaginem os Indecisos no poder: que Brasil tranquilo, sem os horrores das atuais escolhas!
 













Da série Piores Consolos: melhor um sistema que garante a alternância de idiotas no poder que 

um regime que imponha um idiota permanente.

Da série Piores Consolos: melhor um sistema que garante
a alternância de idiotas no poder que 
um regime que imponha um idiota permanente.

 
Nas pesquisas,
as margens de erro se confirmam bem calculadas.
Os erros dos eleitores é que são incalculáveis.

 
Já pensaram num candidato disposto a libertar
os reféns das telefônicas e das TVs a cabo?
Seria eleito por maioria absoluta.
 

 

 


 
Modelar
O hino do Rio Grande do Sul estava quase pronto, letra e música. Faltava um refrão. Tinha que ser algo bom, que arrebatasse os corajosos, encorajasse os covardes, animasse pessimistas, curasse moribundos, alumiasse horizontes. As sugestões choveram até que apareceu um que acalmou as coxilhas: "Sirvam nossas façanhas de modelo a todo o Universo". Um delírio ecoou, até o gado vibrou. Era sob medida, dava a real dimensão da nossa capacidade de luta e resistência. Nele cabia, em apenas três linhas, todo o brio pampiano. Ia além: abarcava várias das nossas ânsias - arrogância, jactância, petulância. E englobava tudo que se podia imaginar de prepotência no cosmos. Ninguém ia nos ganhar em orgulho, inda mais com uma melodia dessas de fundo! O problema é que havia gente de bom senso ouvindo. E esses mais discretos pediram: "Menos, gente, menos." Não houve outro jeito senão abaixar um pouco a crista da canção. "Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a nossa galáxia." E não é que funcionava? Estropiava um pouco a métrica mas, sim, já não era mais um refrão tão excessivo. Porém, bastou ser ensaiado e cantarolado algumas vezes e lá veio a modéstia exigir algum comedimento. Não ficava bem gritar ao espaço tamanha empáfia. Vai que houvesse vida inteligente por aí e essa inteligência sideral se sentisse, digamos, provocada. Melhor reavaliar o júbilo pela nossa tradição guerreira. O mais sábio dos poetas da ocasião consertou. "Sirvam as nossas façanhas de modelo a todo o Sistema Solar." Perfeito, não extrapolava nada, nossa influência sabia o seu lugar, afinal! E o canto entoou uníssono, um coral de guascas em aprovação. Bonito aquilo. Mas. Olharam feio pro bagual que discordava de estrofe tão apaziguadora. Ainda passava da conta. Discutiu-se muito, cantores e compositores rearranjando o estribilho final, rédea curta na bravura. A contragosto, chegou-se a um consenso. Doloroso, de tão redutivo. "Sirvam as nossas façanhas de modelo a toda Terra." Ooohhhhh!, um murmúrio contrariado percorreu a vastidão. Tal concessão destoava da raça, ameaçava a harmonia da música. Até que uma voz soberana, herdeira da cautela gaudéria, sentenciou, numa baforada de palheiro: "Mesmo contido, tá bom assim. Não mexe mais no hino."
(Publicado em set/09. Republicado porque a efeméride merece)








Guerra dos Farrapos.
A maior customização de
roupas da história gaúcha.


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

Comentários