Toda liberdade de expressão é pouca

Por incrível que pareça, a liberdade de expressão foi criada pelos trogloditas: na pré-história, qualquer um podia grunhir, guinchar e ganir quanto quisesse. Por …

Por incrível que pareça, a liberdade de expressão foi criada pelos trogloditas: na pré-história, qualquer um podia grunhir, guinchar e ganir quanto quisesse. Por mais incrível que pareça, quem tá a fim de acabar com ela são outros trogloditas - os atuais.
Como chegamos a esse ponto de involução? A própria liberdade de expressão permitiu: é tão generosa e democrata que abriga desde os inexpressivos até os antidemocráticos.
É mais que hora de mostrar pros extremistas - que não querem a liberdade de expressão na boca de todo mundo - que a liberdade de expressão também pode ir a extremos.
Pra começar, o fim da mudez dos criados-mudos: eles trarão chips inteligentes embutidos, que darão a esses pequenos móveis a capacidade de dizer o que pensam dos habitantes da casa. Chega de tanto testemunho silencioso!
As girafas e outros animais silentes terão a chance de transplantes com cordas vocais de papagaios e calopsitas hábeis em reproduzir o vocabulário humano. Imaginem seus discursos contra safáris.
Nos conventos e monastérios (se é que ainda existem), acaba o voto de silêncio e institui-se o voto de algazarra: todos as noviças e noviços cumprirão a obrigação de se manifestar ruidosamente durante o período inicial da sua formação eclesiástica.
Estátuas do mundo inteiro, do mármore ao bronze, dotadas de recursos eletrônicos, finalmente atenderão a ordens de escultores, ao contrário do Moisés de Michelângelo, e parlarão diante de qualquer interlocutor.
Vales sem eco terão sua topografia alterada por escavações para refletir os brados de pessoas interessadas no retorno das suas gritantes bobagens. As montanhas usufruirão sua quietude na ausência dos turistas, como já ocorre.
Também o Muro das Lamentações poderia demonstrar seu desconsolo milenar aos ouvidos dos queixosos.
Um grande esforço tecnológico tornaria possível uma emissora como A Voz do Além, canal radiofônico a serviço dos mortos. Afinal, bilhões de almas têm todo o direito da comunicação direta, sem a intermediação dos charlatães.
A timidez, na sua forma autodidata, continuaria respeitada. Mas a intimidação, a coação e o constrangimento seriam crimes graves contra a liberdade de expressão.
Por último, a censura. Numa reviravolta da sua desgraçada função, passaria a coibir proibições: estimularia os calados a reverberar tudo que sentem.
Assim os radicais do mal conheceriam o poder do radicalismo do bem.
 

O brasileiro está indignado com o que ocorre na Petrobras. Mas vai se indignar muito mais quando a gasolina passar dos R$ 4,00.


 
Profissão de risco, por Fraga

Profissão de risco, por Fraga



 
 

O Dilúvio só foi possível porque naquela época ainda não havia brasileiros desperdiçando água.


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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