Conto capitalista

Joan Cunnane, uma inglesa de 77 anos, foi encontrada morta em casa. Um vizinho não a via há dias, foi bater na porta. Estava …

Joan Cunnane, uma inglesa de 77 anos, foi encontrada morta em casa. Um vizinho não a via há dias, foi bater na porta. Estava aberta. Chamou, deu uma espiada. Nada. Havia roupas, papéis e outros itens empilhados por todos os lados, até o teto. No outro dia, o vizinho voltou. Nada de novo. Voltou mais uma vez antes de chamar a polícia. Os policiais entraram na casa, mas não encontraram a mulher. No dia seguinte, voltaram com um caminhão e começaram a tirar as coisas da casa. Joan Cunnane foi encontrada no quarto, sob um monte de roupas e outras compras.
O amor segundo Lacan
Lacan: "O amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer". Eu, hein, Rosa?! Elizabeth Roudinesco, historiadora e psicanalista, autora de Jacques Lacan - Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento considera essa tirada genial. A mim parece apenas um jogo de palavras vazio.  Mas sou suspeito para falar, esses jogos de palavras quase sempre me parecem vazios, se não são do Oscar Wilde.
Lacan também disse mais ou menos o seguinte: o eu não se adapta à realidade, o eu adapta a realidade a ele. Isso sim é ótimo. Fica claro, pelo livro da Roudinesco, que os relacionamentos de Lacan com as amantes e com as esposas se encaixam direitinho na sua definição de amor. Quer dizer, Lacan, em vez de olhar o bicho no olho, deu um jeito na realidade para ela se parecer com o que ele pensava?
O iluminado obscuro
Michel Foucault afirmou que o hermetismo de Jacques Lacan vinha do desejo de que "a obscuridade de seus escritos fosse a complexidade mesma do sujeito e que o trabalho necessário para compreendê-lo fosse um trabalho a realizar sobre si mesmo". Então tá, boneca. Vamos apagar a vela porque é noite.
Há uns dois mil e quinhentos anos, em Atenas, Péricles disse: "o que sabe e não se expressa claramente é como se não pensasse". Pena que ninguém mais se lembra disso. Ou não leva a sério.
Pressa
Nunca tive pressa de publicar. Não muita, pelo menos. Depois, os editores sempre me ajudaram nesse ponto, recusando meus originais.
Crítica de cinema
Estreia um filme, vou conferir o que dizem. Mas não dizem nada. A crítica cinematográfica se reduz a números: quantos milhões foram gastos para fazer o filme, quantos milhões o ator principal ganhou, quantos milhões o filme faturou no primeiro final de semana. Eu sou meio antiguinho. Vou ao cinema para ver um filme, quer dizer, assistir a uma história, não a uma sessão de contabilidade.
Curiosidade boba
Por que médicos, advogados, juízes e outros consideram antiético apontar malfeitorias de colegas?
Quem não se comunica, se trumbica
Gore Vidal põe na boca do filósofo Prisco, em Juliano, uma observação que me parece certeira: por que os poderosos deuses, caso existam, não deram um jeito de se comunicar menos complicado do que mandar mensagens no fígado de um touro?
Slogan cristão
Amar o próximo como a nós mesmos? Acho perigoso. Com tanta gente autodestrutiva por aí.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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