Filhos

o      Quando a mãe entra no jogo da agressão, no Brasil, a coisa não se refere à mãe, mas é ofensa direta …

o      Quando a mãe entra no jogo da agressão, no Brasil, a coisa não se refere à mãe, mas é ofensa direta ao filho. É a ofensa mais metafórica do nosso idioma e quando o senador Fernando Collor de Mello disse que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é "filho da puta", este nem se preocupa em processar o ofensor, pois a defesa é tão óbvia como essas palavras acima. Vejamos agora de quem Collor, o agressor, é filho, cujo pai foi um assassino. Voltemos ao tempo.
Arnon Afonso de Farias Melo - Arnon de Melo -, empresário e político, ex-governador de Alagoas, depois escolhido senador biônico pela Ditadura, tem o seu momento de homicida assim descrito pelo Google: "Em 4 de dezembro de 1963 disparou três tiros contra o senador Silvestre Péricles, seu inimigo político, dentro do Senado Federal. O senador Péricles estava na tribuna, a cinco metros de distância, e não foi atingido; Arnon de Melo acertou erroneamente um tiro no peito do senador José Kairala, do Acre, que morreu em seu último dia de trabalho. Apesar do assassinato e, ainda que tenha sido dentro do Senado Federal, na presença de inúmeras autoridades, Arnon de Melo não teve seu mandato cassado nem qualquer punição imposta pela Mesa", mas teve seu nome inserido na galeria dos sem pontaria, como vou recontar em texto já publicado. Euclides da Cunha, seu filho e o míope contratado por Gregório para matar Carlos Lacerda, mas que matou o major Rubem Vaz. Eta gentinha ruim de pontaria! Recordemos:
Aqui, assassinato a tiros - bem-sucedido e por atacado - é mercado exclusivo do crime organizado. Afora isso não se mata presidente nem de clube rebaixado (e muito menos ditador), e assassinado mesmo, a tiros, nossa história só tem um certo: João Pessoa, presidente da Província da Paraíba, morto por João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife, em 1930. Motivo? Asseclas de João Pessoa, por desavenças políticas, invadiram a casa de Dantas, roubaram papéis e publicaram cartas (ou rascunhos) do adúltero para sua amante. Consequência? A Revolução de 30, que estava vai ou não vai, foi. Esse é um raro momento de nossa história quando o atirador atingiu o alvo, ainda que favorecendo as hostes adversárias.
Antes, em 1909, já acontecera no Rio o primeiro tiro da maior tragédia passional do País e que, certamente, faria, mais tarde, Nélson Rodrigues babar de inveja. Euclides da Cunha que, há tempos, deixava passar em branco a evidente relação de sua mulher, Anna, com Dilermando de Assis, não suportou a ousadia dela em abandoná-lo e foi à casa de Dilermando, atingindo o irmão dele - Dinorah - craque do Botafogo, que veio a falecer, tempos depois, em consequência de tiro na nuca. Dilermando, um autêntico astro de faroeste, campeão de tiro, matou Euclides pelas costas e, anos depois, quando o filho de Euclides, Euclides também, procurou-o por vingança, errou e foi morto a tiros.
Essa tragédia euclidiana não passou dos limites do passional, diferentemente daquela que começou com tiros na madrugada de 5 de agosto de 1954, perto do número 180 da Rua Tonelero, em Copacabana, e que, quero acreditar, só terminou com o fim da Ditadura Militar e consequentes eleições diretas. O assassinado seria Carlos Lacerda, jornalista, candidato a deputado federal e virulento opositor do Governo Vargas, mas quem morreu foi o seu "segurança do dia", o major da Aeronáutica Rubem Vaz. Tragicômico era o fato que o pistoleiro contratado, Alcino João do Nascimento, já matara, por engano, um infeliz que não era a vítima de um outro acerto. Alcino era tão incompetente que acertou o pé de Lacerda, atracou-se com Rubem Vaz e acabou matando-o com dois tiros no peito. Lacerda, outro atirador inepto, revidou com sua arma e não acertou ninguém. O desastrado pistoleiro, ao fugir atirando, atingiu um guarda municipal, Sávio Romero, que, escapando quase ileso, ainda anotou a placa do táxi do fugitivo. Este, não satisfeito, já no táxi, querendo jogar a arma no mar, deixou-a cair na rua, sendo encontrada durante as investigações.
Essa incompetência toda, gerada no Palácio do Catete, por Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal de Vargas, envolveu ainda Climério Euribes de Almeida, também da Guarda, e o motorista Nelson Raimundo Lopes, cujo ponto de táxi era quase junto ao Palácio do Catete! Como não podia deixar de ser, foram julgados, condenados e encarcerados, juntamente com José Antonio Soares, o tresloucado que indicou o Alcino como pistoleiro. Afinal, não estavam nas Alagoas, onde não descobriram quem matou PC Farias, o "operador" das ilicitudes do governo Collor na presidência.
Esse amontoado de equívocos, imbróglio digno de uma boa comédia italiana, não parou por aí - a imperícia da polícia, o inquérito da "República do Galeão" e a turbulência política permitiriam que, depois, outras hipóteses fossem levantadas. O final da história, inda que trágico, o suicídio de Vargas, adiou a ditadura por uns dez anos.
Hoje o problema é outro: um filho de assassino, expulso da presidência acusado de falcatruas pelo próprio irmão Pedro, acusado de receber propinas, chama o procurador-geral da República de filho da puta. Acho eu que, por tudo que já acumulou de negativo, inclusive os carros de luxo, ser filho de assassino não é um crime que afete esse autoanunciado caçador de marajás.
Quanto a mim, assim que retornar à infância, vou colecionar carros.
Inté.
Em tempo: Avisem o Collor que semana passada um adolescente  chamou outro de filho da puta e foi morto a socos.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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