Anotações na margem de livros de arte

“Arte é intriga.” (Millôr Fernandes) Diante de esculturas de Auguste Rodin: O Pensador não me leva à introspecção. O que impressiona é a convicção …

"Arte é intriga." (Millôr Fernandes)
Diante de esculturas de Auguste Rodin:

O Pensador não me leva à introspecção. O que impressiona é a convicção dele: não renova seus pensamentos desde1880! Já O Beijo arrebata: a impressão é que o mármore ganhou mucosas. E na mão pousada na anca há mais leveza que num gesto humano.
Diante da pintura de Edward Hopper e de Norman Rockwell:

Vistas lado a lado, as cenas e os personagens induzem a um hipotético intercâmbio: os otimistas e eufóricos de um animariam os ambientes do outro? E os melancólicos e isolacionistas daquele, contaminariam os cenários deste?
Diante de Nu Descendo a Escada de Marcel Duchamp:

No cubismo, a fragmentação do ponto de vista é tudo. Como composição, o quadro deleita a percepção. Irresistível é não pensar num tombo.
Diante dos móbiles de Alexander Calder:

Fazer flutuar o mais pesado que o ar envolve as leis da física, ponto. Mas a imaterialização do aço vai além, dois pontos. O que o escultor equacionou foi a brisa, ponto de exclamação.
Diante dos retratos de Amedeo Modigliani:

Demasiado esguias dos ombros para cima, as figuras tendem a confundir os anais da endocrinologia. Nunca as disfunções das glândulas tireóide e hipófise influíram tanto na arte.
Diante dos girassóis de Vincent Van Gogh:

Se a natureza não dá graça a certas flores, o talento compensa. Para quem avalia quadros pelo valor de mercado, pigmentos amarelos podem chegar a 36 milhões de dólares. O que ainda não se viu foi hectares de canola em flor inspirar pintor nenhum. Nem leilão de quadro de natureza morta com soja.
 

 AS GRANDES ESTRATÉGIAS MORAIS DO NOSSO TEMPO


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Apêndice: noções aos pares de arte ímpar
Amedeo Modigliani & Giuseppe Arcimboldo tinham pontos temáticos em comum: um preferia composições ambíguas com legumes e hortaliças, o        outro era obcecado por arranjos com abóboras de pescoço.
Juan Miró & Jackson Pollock jamais emitiam conceitos sobre estilos alheios. Temiam respingar um no outro.
Andy Warhol & Jean Basquiat compartilharam a glória juntos. Mas o primeiro teve tanta que só sobraram 15 minutos de fama pro segundo.
Rembrandt Harmenszoon van Rijn & Johannes Vermeer pintaram suas obras com certa urgência. Sabiam que    cedo ou tarde a eletricidade viria.
Fernando Botero & Cândido Portinari tinham tudo para fazer uma exposição coletiva. A Fome e a Vontade de Comer.
 
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Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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