Gato-do-mato

Muitos comentavam que ele não passava de um peão gaudério, sem eira nem beira. Mas, quem conhecia estórias de antigamente, como o que tinha …

Muitos comentavam que ele não passava de um peão gaudério, sem eira nem beira. Mas, quem conhecia estórias de antigamente, como o que tinha se passado lá pelos lados de Santa Bárbara, fechava a cara, cuspia para o lado e rosnava:
"Ninguém aqui enfrentou os castelhanos, com a coragem do Olegário Garrastazu. Mesmo com chumbo no corpo, o homem continuava peleando até que não houvesse um invasor de pé".

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E assim corriam, de boca em boca, as estórias sobre aquele que era mais conhecido como Gato-do-Mato. Por onde passava, colhia medo, amores, ciumeira e muita inveja. E a gente sabe que inveja e ciúmes são os pecados que mais agradam ao diabo. O que dizer de Olegário Garrastazu?
Nasceu em um rancho sem janelas, perto de Corrientes, e desde criança montava em pelo e derrubava nhandus com um tiro de boleadeira. Muito tempo depois que ele sumiu as pessoas ainda se benziam quando ouviam seu nome. Mas as lembranças ruins não faziam justiça para quem o conheceu de verdade. Tudo o que sabia, aprendeu com o Aparício, um índio velho que rastreava ladrão de cavalo e achava ovelha perdida em noite de temporal. Quando sentiu que aprendera tudo o que precisava, Olegário pediu a benção ao velho e cavalgou para a fronteira. Lá se envolveu em uma briga com um sargento correntino e acabou preso por uns tempos. Mas Olegário sabia se arranjar - quando as coisas ficavam feias, cruzava para o outro lado e mudava de sotaque.
Mesmo fugindo dos correntinos ou domando cavalos chucros em troca de comida, não escondia sua revolta. Mas nem sempre fora assim. Foi criado com desvelo pela mãe, Doña Leguita, uma mulher piedosa e devota de San Miguel Arcanjo. Então, em um inverno tenebroso, no rancho sem janelas, ela caiu doente com pneumonia. Olegário galopou a noite inteira até a vila, atrás do médico. Não conseguiu e quando voltou, encontrou a mãe morta. O mateiro Aparício, que ajudou a enterrar Doña Leguita, dizia que naquela noite ele percebeu uma coisa estranha no Olegário. Seus olhos pareciam os de um gato-do-mato.

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Naqueles tempos de caudilhismo, um homem brigador era valioso para os estancieiros e chefes políticos dos dois lados da fronteira. Olegário sabia como manejar a garrucha e era destro com arma branca. Nas bodegas de beira de estrada costumava ficar quieto em um canto, espichando o mate, virando uma talagada de caña de quando em quando e esperando as coisas acontecerem. Certa vez, em uma pulperia de San Roque, ouviu homens falando das tropelias que aconteciam na região. Usavam lenços vermelhos, fivelas da gendarmeria oriental e se tratavam de Gauchito Gil e Altamirano. Pediram para o botegueiro chorizo e pão, comeram e continuaram conversando noite adentro. Pelas tantas, disseram alguma coisa que deixou Olegário atento - "e então mataram o tal de Aparício".
Falavam de um chefe dos liberais, de nome Tuca López, que havia tomado à força as terras de uma viúva, expulsando ela e os filhos de casa. E quando um velho mateiro, que estava por perto, tentou impedir, o abateram a tiros de escopeta.
Olegário Garrastazu terminou o mate, chegou perto dos homens e pediu que repetissem os nomes do malfeitor e do mateiro morto. Ouviu, deu buenas noches e sumiu na escuridão.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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