O humor e o fanatismo, segundo Amós Oz

Trecho de entrevista que li nem lembro mais onde. E qual o papel do humor? Nunca vi um fanático com senso de humor ou …

Trecho de entrevista que li nem lembro mais onde.
E qual o papel do humor?
Nunca vi um fanático com senso de humor ou então alguém com senso de humor se tornar um fanático. Humor é a habilidade de rirmos de nós mesmos, e, quando podemos fazer isso, desenvolvemos uma noção de relativismo. Este é um antídoto maravilhoso contra o fanatismo e, se eu pudesse, colocaria senso de humor e curiosidade numa cápsula, distribuiria em todos os lugares para criar imunidade ao fanatismo, e me candidataria ao Nobel da Paz.
Mas não proporcionamos ou ensinamos isso ao outro.
Não. E eu não posso salvar o mundo, não sou Jesus. E mesmo Jesus não fez um grande trabalho em salvar o mundo - ele ainda é um lugar cruel e doloroso. O que posso fazer é dar o diagnóstico: o fanático é um ponto de exclamação ambulante; não escuta, só fala; é um ser humano desesperado e mais interessado em você do que nele, porque ele não tem vida própria. É um grande altruísta: quer salvá-lo, mas, se não conseguir, ele vai matá-lo e vai matar seu vizinho. Fanatismo é o nosso problema mais urgente. A síndrome deste início de século não é o choque entre muçulmanos e cristãos, Ocidente e Oriente, Europa e mundo árabe, mas, sim, entre fanáticos e nós. E eles estão em todos os lugares e todas as culturas. Até entre ambientalistas e feministas, embora não sejam tão nocivos. Acredito que exista um gene de fanatismo em cada um de nós. Veja isso no dia a dia, quando uma pessoa quer mudar a outra "para o bem dela".
Henri de Toulouse-Lautrec
"Beberei leite quando as vacas pastarem uvas."
As rendas de Lautrec vinham das vinhas da família. Mas ele jamais se envolveu nos negócios, apenas escrevia pra mãe, a condessa Adèle, pedindo dinheiro, vinho e quitutes. Não queria nem saber se a safra tinha sido ruim e se a renda tinha diminuído: "Só me fale das vinhas e do resto quando estiverem num copo".
Proust e Lautrec
Jean Sagne, na biografia Toulouse-Lautrec, tradução de Antônio Carlos Viana, L&PM, 1990:
Proust, que publica seu primeiro texto na Revue Blanche, e Lautrec se cruzaram no território de Montmartre ou no Weber. Os boateiros parisienses espalharam que o conde Alphonse (pai de Lautrec) ofereceu uma joia de dez mil francos a uma desconhecida que encontrou diante da vitrina de uma grande casa no quarteirão da rua la Paix. Reação de Lautrec: "E é a mim que acusam de esbanjamento!" No bar onde ele se encontra, um jovem franzino, "todo encapotado como um bibelô chinês", redargue que "gestos como esse não têm nada de tolo, têm até mesmo sua utilidade: a de afirmar a raça". Sem olhar Proust, sentado diante de um copo d"água, Lautrec explode: "Vejam um belo exemplo da idiotice burguesa, sempre pronta a se extasiar diante de um gesto absurdo ou diante de um pôr do sol".
PS: a edição desse livro talvez tenha batido o recorde de erros de revisão. Eu, que sou um revisor medíocre, me descabelei página após página. Pra se ter uma ideia, o texto da contracapa, que tem nove linhas, tem dois erros. Claro que digitar "siciedade" é coisa pro meu dicionário do mau digitador. Siciedade é um grupo ou clube de murmuradores, talvez com o sentido de fofoqueiros, pra ficar mais complicado. Agora, trocar "hesitando" por "exitando" é coisa de quem não foi à escola. O pior é que nos créditos constam quatro revisores. Pelo visto eles confiaram no trabalho uns dos outros.
Dicionário do mau digitador
Primitivias. Acho que são picadas, se não forem as estradas brasileiras.
Abaraço. Amplexo constrangido. Coisa de europeu nos trópicos, provavelmente, diante de nossa expansividade. (Gracias por esse, Mário Goulart.)
Confuisão. Com minha ida deu no que deu.
Prinçar. Escolher um príncipe entre muitos.
Miltidão. Multidão monstruosamente grande.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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